quarta-feira, 29 de março de 2017

A independência culinária


Já se foi o tempo que cozinhar era tarefa exclusiva de donas-de-casa. O que era visto como uma sub tarefa, uma obrigação exclusiva de mulheres que não trabalhavam fora, hoje é visto como uma necessidade do mundo moderno. Mais ainda, como um grito de independência.
A vida moderna nos trouxe facilidades como micro-ondas, comida (comida?!) semi-pronta, congelada, ultra processada, ultra desidratada, ultra misturada com um monte de produtos químicos. Nos trouxe também um preço alto a ser pago com nossa saúde por tanto lixo consumido.
Em muitas casas, devido a nossa cultura machista e arcaica, ainda é dever da mulher cozinhar, mesmo que ela trabalhe fora, mesmo com milhares de obrigações outras. Por isso, na tentativa de não deixar ninguém com fome e ter tempo para respirar – já que muitas vezes não tem com quem contar para dividir esta tarefa doméstica – apelou-se para os pratos prontos, ilusoriamente vendidos como saudáveis pela indústria alimentícia.
De olho na pressa do mundo moderno, a indústria caiu matando. Literalmente. Matando de diabetes, aterosclerose, esteatose, hipertensão. Vendeu uma ideia de que pratos prontos enriquecidos com vitaminas e sais minerais eram saudáveis mesmo com vencimento para 2023. Vendeu ilusão de uma comida gostosa, de “restaurante”, mas barata e pronta em 10 minutos. Vendeu sucos em caixa “sem conservantes” com validade de dois anos. Essas frutas só podem ter vindo da terra do MacGyver. Quem nunca viu uma famosa marca de salgadinhos fritos dizendo que o produto tem vitaminas, sais minerais e cálcio? Hahaha, é de rir para não chorar!
Com isso, a população engordou, passou a comer lixo em vez de “comida de verdade”, expressão criada pela minha amada Rita Lobo, que tive o prazer de conhecer num evento no Ministério da Saúde.
Agora, depois de duas décadas de ilusão industrial alimentícia, as pessoas estão repensando o ato de alimentar-se e junto, o de cozinhar. Só que como o ser humano adora o extremo da coisa, saiu do total junk food para outra moda: a fitness, mais conhecida como “blergh”.
Essa moda leva batata doce, ovo sem gema, frango sem pele, leite sem lactose, doce sem glicose, macarrão sem glúten, ou seja – comida sem sabor de comida (me desculpem os marombeiros, mas vocês não comem, almoçam “remédios”).
Eu sou à moda antiga, ainda fico com o bom e velho arroz com feijão, bife, salada. Com o ovo frito de manhã na manteiga, com pão fresquinho e um bolo de fubá. Com a sopa de feijão ou de legumes do jantar. Eu fico com a dieta da minha avó, simples e cheia de sabor.
Nos primórdios da humanidade, o homem coletava grãos, frutos e legumes, até que aprendeu a caçar. Depois, a cozinhar. E hoje, está reaprendendo algo que nunca deveria ter esquecido. Hoje, depois que a moda fitness deu uma acalmada, estamos voltando às raízes e buscando cada vez mais comidas de verdade, orgânicas, nutritivas, preparadas no conforto de casa, com o sabor que em nenhum lugar você vai encontrar. Com todos os ingredientes que a natureza provém.
Para mim, cozinhar é sinônimo de independência. É você não precisar de ninguém para te trazer ou te fazer comida. Quer coisa mais chata quando o delivery atrasa e você está azul de fome? Cozinhar é você não precisar se entupir de lasanha congelada porque não sabe fazer uma comida caseira, nem que seja um arroz com ovo frito. E vou te dizer, um arroz branquinho e soltinho com um ovo frito malpassado é delicioso! Joga uma pitada de pimenta do reino em cima e um fio de azeite... Voilà! Dos deuses!


Eu sempre gostei de cozinhar, desde a adolescência. O que começou por curiosidade, hoje é uma paixão. Lembro do meu primeiro prato: penne ao molho branco. Ficou tão bom, mas tão bom, que até meu pai que não é chegado em macarrão comeu dois pratos.
Claro que nessa jornada culinária também fiz muita cagada. Queimei ovo, solei bolo, grudei macarrão, queimei feijão... Tudo o que você imaginar. Mas foram esses erros que me fizeram cozinhar melhor hoje. Foram esses erros que me fizeram tentar de novo até acertar e dessa forma, me tornar independente, capaz de preparar minha própria comida. Yes, we can!
Hoje, digo que cozinhar, mais que uma necessidade, tornou-se um luxo. Sempre lutamos pela independência financeira, depois passamos a lutar pela independência emocional e agora, a independência culinária. Essas três são sim artigos de luxo. Valorize esta última para que não se perca no tempo e na pressa, como uma já vez se perdeu.



Daniele Van-Lume Simões      29 de março de 2017

A Gratidão aos Leitores


Esse texto é para fazer uma homenagem à razão pela qual escrevo: os leitores. Sem eles, as palavras não teriam sentido. Seriam apenas aglomerados de letras, sem capacidade de emocionar ninguém. E sem emoção, não há sentido de ser.
Quanto idiomas existem no mundo? Talvez centenas ou até mesmo, milhares, pois existem os dialetos. E quantos se perderiam com o tempo se não houvesse a escrita e quem os lessem? Talvez todos.
Por isso, para quem escreve, o leitor é tão importante. É a certeza de que as palavras, unidas, vão tocar alguém que esteja precisando lê-las. É a certeza que as palavras vão despertar alguma emoção, nem que seja contrária à sua. É a certeza que as palavras não serão etéreas. Elas se eternizarão através da materialização num papel, num livro ou numa tela de computador. Não importa. Elas estarão lá, registradas, por quanto tempo for necessário e fizer sentido.
A escrita aproxima de você quem nunca te viu, mas que, de alguma forma, se identifica com suas ideias e sentimentos. Faz com que nos sintamos próximos de alguém, como nos sentimos quando encontramos um amigo de longa data ou um parente querido.
Eu mesma me sinto muito próxima a Rubem Alves, mesmo após seu falecimento. Quando o leio, imagino-me numa varanda, com um café fresquinho coado, olhando a paisagem e proseando sobre a vida e a simplicidade da felicidade.
Quando estou inquieta, sinto-me a melhor amiga de Martha Medeiros. É como se estivesse numa sala, tomando um bom vinho com uns queijos e filosofando sobre a vida e as relações humanas e dando boas risadas.
Quando estou introspectiva, aproximo-me de Lia Luft. Também estaríamos numa sala, mas sem falatório, lendo algo profundo e tocante e depois nos olharíamos e daríamos apenas um sorriso cúmplice de que o que lemos foi algo transformador. Tudo isso no mais profundo silêncio.
Quando estou romântica, sou a amiga boêmia de Fernando Pessoa. Com ele, imagino-me numa mesa de bar, conversando sobre o amor e rabiscando versos para o meu amado. Um beijo, meu amor!
Quando estou descrente, janto com Schopenhauer e conversando com ele, vejo a realidade do homem, nua e crua, visceral e sem máscaras. Imagino-me tomando um conhaque com café após um jantar e falando da falsidade que é a sociedade. E ficando p da vida com esta constatação.
Quando estou filosófica, recebo cartas do meu querido amigo que mora longe, Nietzsche. Estou sozinha, numa cadeira de balanço, olhando a chuva cair num campo verde e o céu cinza, com seus textos nas minhas mãos e emocionada com suas reflexões.
Quando me irrito com a política, visito Chico Buarque num sábado à noite. Tomo um whisky numa varanda de frente para o mar do Rio de Janeiro e dialogamos sobre a merda que está o país. Até arriscamos algumas composições.
Quando quero intensidade, passo na casa de Clarice (Lispector) e a vejo fumando num canto, com os olhos de quem não dormiu, mas com a vivacidade de uma criança de 5 anos. Ela abre seu caderno e lê para mim o seu mais novo texto com a avidez de uma adolescente encantada com as palavras recebidas do amado. E eu fico mais encantada ainda com a profundidade de suas inquietações.
Por fim, quando estou grata, olho para o lado e dou um abraço afetuoso no meu melhor amigo, do olhar mais bondoso que já vi, Jesus Cristo. Imagino-me observando cada ensinamento seu, apenas ouvindo e deixando as suas palavras e sabedoria tão profundas tomarem conta de mim e me lembrarem que é preciso evoluir espiritualmente para alcançar a felicidade plena. Assim como me sinto quando leio a Bíblia.
            Por sentir tudo isso quando leio meus autores preferidos, é que você, caro leitor, é o maior presente que eu posso receber todos os dias, cada vez que meus textos são acessados e lidos por vocês. Por isso, vocês merecem não só os meus agradecimentos, mas principalmente o meu respeito. Por isso escrevo com alma.
Este é o texto 101 do blog “Café com pimenta é refresco” e sinto-me felizarda cada vez que consigo expressar em palavras escritas as minhas ideias e honrar cada acesso, cada compartilhamento, cada um que se identifica com o que escrevo.
Obrigada, caros leitores!

Daniele Van-Lume Simões    29 de março de 2017

sexta-feira, 24 de março de 2017

Amélia ou Maria Quitéria - a escolha é sua


Segunda-feira passada, enquanto me atualizava nas notícias (ruins, pois é só o que tem ultimamente) pela internet, me deparei com uma matéria interessantíssima no site da BBC Brasil.
A matéria falava sobre mulheres fortes, bem à frente de seu tempo, e que deveríamos estudar mais sobre elas nas escolas (Segue o link: http://www.bbc.com/portuguese/salasocial-39295084). Li o resumo sobre a vida de cada uma das 10 e teve uma que me chamou a atenção: Maria Quitéria.
Já tinha ouvido falar nesse nome, mas numa cultura patriarcal machista como a que vivemos, mulheres como a Maria Quitéria são mal vistas e mal faladas – em todos os sentidos. Fala-se pouco sobre elas ou nada e acredito que os jovens da geração atual sequer imaginam quem foi esta guerreira.
Em resumo, Maria Quitéria integrou as Forças Armadas do Brasil para lutar a favor da Independência da República. Enquanto fala-se muito em Dom Pedro I por ter proclamado a Independência, quem deveria ter roubado a cena mesmo deveria ter sido esta mulher.
Maria Quitéria integrou as Forças Armadas clandestinamente, para lutar em prol de um ideal, que era a liberdade do seu país. Para isso, ela fugiu de casa, cortou os cabelos e se vestiu de homem. Foi para frente de batalha, na Artilharia. Por conta disso, foi descoberta por seu pai. No entanto, o Major da missão, admirado com a disciplina, bravura e destreza com as armas dessa mulher, pediu ao pai dela que ela permanecesse na batalha.
Aí, muito homem recalcado diria logo pejorativamente: é sapatão! Mas que nada, Maria Quitéria deu um tapa na cara da sociedade machista que acha que mulher com bravura tem a ver com a orientação sexual dela. Depois da batalha, ela casou-se e teve uma filha e viveu feliz para sempre com a consciência tranquila de que lutou por seu ideal até alcança-lo.
Não importa se ela se vestiu de homem, se seria homo ou heterossexual, se ela usou armas de fogo, o que importa aqui é que ela não mediu esforços para alcançar o que acreditava ser possível: a liberdade do seu país.
Só que, claro, numa sociedade como a nossa patriarcal, quem aparece é o Dom Pedro I, numa pose estranha – quase suspeita, ao lado do rio Ipiranga, posando de gostosão. Não é interessante falar sobre as Marias Quitérias para não dar ideia a pobre dona de casa que vive oprimida com a árdua tarefa de cuidar da casa, do marido e parir dezenas de filhos.
Qualquer Maria que seja à frente do seu tempo é desmerecida ou omitida. Veja Maria Madalena... Até hoje falam que ela era uma prostituta, mesmo que em canto nenhum na Bíblia faça referência a isto sobre ela. Sabe por quê? Porque ela foi uma das maiores influenciadoras e seguidoras de Jesus, em meio a um bando de homens barbados. Ela mostrou-se forte, não omitiu sua fé como fez Pedro negando Jesus três vezes, e seguiu ao lado do Messias até o fim. 
Assim como chamam a mãe de Jesus de virgem – um fardo até para as mais recatadas puritanas. E daí se ela era ou não virgem? Desde quando virgem é um adjetivo indicativo de caráter? Maria educou o Filho de Deus, com valores que poucos hoje conhecem. Só por isso ela já é o máximo. Mas a nossa sociedade machista adjetiva todas as Marias: virgem, prostituta, sapatão. Vamos desmerecer essas Marias todas.
Quantas Marias Quitérias você conhece? Quantas mulheres fortes encaram máquinas, estradas, plateias, reuniões com o filho doente em casa, cobranças para ser firme durante a TPM, que trabalham como policiais, bombeiros, médicas, professoras, engenheiras, cientistas, que batem estaca, carregam cimento, dirigem ônibus, vendem doces no tabuleiro para sustentar a família?
No fundo, conhecemos muitas delas. No fundo, sabemos que essas são mulheres fortes, de verdade, não aquela Amélia bocó que ficava assistindo sua vida passar ao lado de um fracassado. No fundo, existem muitas Marias Quitérias por aí.
Esse espírito de luta, de ter um ideal e lutar por ele, não medir forças por algo que você acredita que pode fazer o mundo um lugar um pouquinho melhor de se viver, essas Marias Quitérias nunca vão perder.
E são essas mulheres fortes e inspiradoras que me servem de exemplo todos os dias, quando começo meu dia. Que orgulho se eu, um dia, for um décimo do que a Maria Quitéria foi.
E você, tem espírito de quê? Amélia ou Maria?


Daniele Van-Lume Simões                      24 de março de 2017

O dinheiro e a solidariedade


Depois de tantas notícias ruins que estão sendo veiculadas no mundo ultimamente, hoje uma me chamou a atenção. Essa semana, houve um ataque terrorista em Londres, com 5 mortos e dezenas de feridos, um fato lamentável e inconcebível, ainda mais com a justificativa torpe que é em nome de Alá.
Mas em meio a tanta loucura, fanatismo e violência, vi a solidariedade renascer. No meio do ataque, um policial foi morto covardemente a facadas pelo fanático mulçumano. Só que esse policial que arriscou (e infelizmente, perdeu) sua vida para salvar a vida de desconhecidos de um assassino, também tinha esposa, vida pessoal, pais e filho. Como eles ficariam com a partida precoce deste ente querido? Alguns se perguntaram lá na Inglaterra - e muitos ajudaram.
A Scotland Yard abriu, num site conhecido de doações, uma espécie de vaquinha, no intuito de arredar 240 mil libras para auxiliar no sustento dos familiares do policial acometido pela barbárie. E para a surpresa – grata surpresa – as doações ultrapassaram 500 mil libras.
Sei que a dor da perda de um familiar dinheiro nenhum no mundo pode pagar, mas aqui no Brasil, vários policiais morrem todos os dias e ninguém – nem o Estado nem a população – faz nada por seus familiares. Eu me incluo nessa, nunca pensei a respeito até hoje de manhã.
E sabe o que eu achei mais interessante? Ninguém foi doando pensando se o montante arrecadado era suficiente ou ultrapassaria o valor estipulado, já que até o momento dá quase 2 milhões de reais. Simplesmente doaram, de acordo com suas consciências, com o que acharam que era certo fazer.
Solidariedade é isso. Você age de acordo com sua consciência, não com uma análise financeira sobre os montantes arrecadados. Esse dinheiro será bem vindo para a família que ficou desamparada, mas nunca apagará a dor da perda deste cidadão que morreu em prol da segurança pública.
Se dinheiro não traz a vida de volta nem diminui a dor da perda, pelo menos, numa das raras vezes, pode nos mostrar que a solidariedade existe.


Daniele Van-Lume Simões      24 de março de 2017

Take easy


Estive essa semana de molho devido a uma conjuntivite braba, que me impedia até de olhar para a tela do computador. E o que para alguns poderia parecer desesperador, devido ao mundo virtual em que vivemos, para mim foi libertador.
Ficar doente é uma droga, mas nosso corpo fala, pede respeito, cuidados. Cuidei dos olhos e estou de volta. Mas nesses dias em que estive afastada, cuidei da mente. Abstive-me de qualquer contato com teclas e e-mails, já que não consegui ficar muito tempo olhando para uma tela brilhante e sedutora, mas que ultimamente só tem trazidos broncas e notícias ruins.
Aproveitei este tempo para relaxar, ver – ou melhor, ouvir - meus programas de culinária favoritos e pensar na vida. E de tanto pensar, estou com algumas ideias de crônicas. Aproveitei também para dormir, colocar o sono em dia, voltar a ter horários de sono, sem ansiedade do dia de amanhã. Aproveitei para conversar com o meu marido, para dar atenção a ele e fazer uma boa massa acompanhada de um bom vinho. Aproveitei para organizar minha casa, fazer uma faxina, liberar energia de coisas acumuladas. Aproveitei para sonhar um pouco, com um país mais ético, justo, com menos golpes contra o trabalhador (aí eu me desiludi de novo... mas sonhar não custa).
Às vezes, parar o trabalho pode ser, para alguns, algo impensável, estressante, mas acho que para o que não tem jeito, remediado está. Já que tive que parar com uma folga forçada pela minha oftalmo, fui cuidar um pouco de mim, da minha vida e de quem amo. E vou te dizer: o mundo não parou por minha causa. Então, take easy.
Aja com sabedoria. Se seu corpo pedir um descanso para se recuperar de algum problema de saúde, respeite e cuide das coisas e das pessoas que também são importantes para você. Não se culpe, relaxe e use seu tempo da melhor forma, para voltar recuperado e com a sensação que você não perdeu nenhum instante da sua vida.




Daniele Van-Lume Simões   24 de março de 2017

segunda-feira, 20 de março de 2017

Carta a Trump

Dear Mr President,

De uns tempos para cá, tenho sentido algo que eu nunca senti antes: vergonha de ser brasileira. Sempre achei que a pessoa deveria ser patriota, amar seu país, lutar para que ele se torne um lugar melhor, independente de qual país fosse. Os americanos sabem bem como fazer isso. Não há um só filme que não mostre a bandeira dos Estados Unidos. Aqui, no Brasil, a bandeira só aparece na Copa e depois mofa na gaveta.
No entanto, acredito que amar um país que tem a maior economia do mundo talvez seja mais fácil do que amar um país com um dos sistemas políticos mais corruptos do mundo. Apesar da corrupção instaurada desde 1500, fiz questão de me politizar, votar e acompanhar o desenrolar político desde então. Mesmo com essa política suja, acreditava que o Brasil poderia ter jeito. Mas de uns tempos para cá, as coisas estão bem House of Cards, com a diferença que os políticos daqui não dão a mínima para escândalos.
A voz do povo é muda. A massa é manipulável com movimentos da moda, como panelaços e buzinaços, incitados pela mídia, em prol de interesses não muito claros. Faz tempo que perdemos nossa dignidade.
Sempre fui contra xenofobias ou quaisquer tipos de preconceitos, mas hoje não me sinto brasileira. Hoje eu me sinto excluída dessa sociedade que protesta pelos motivos errados, que engole corda de uma mídia manipuladora e que é enganada – e aceita isso - até no seu alimento, pois pensa que o que não tem solução, remediado está.
Não basta a crise política, o desemprego de 12 milhões de pessoas (fruto dos panelaços e do ego de uns magistrados aí), a corrupção ambidestra - direita e esquerda, o futebol desmoralizado, ainda descobrimos que somos enganados até na hora sagrada da refeição. Carnes podres, misturadas a não sei o quê, contaminadas com não sei o que lá, comercializadas como sendo de boa procedência, de "marca".
Tudo isso para piorar ainda mais o cenário econômico do Brasil, com a destruição do agronegócio, que demorou muitos anos para ter a credibilidade de países de primeiro mundo. Todos pagam o preço, mesmo que alguns poucos tenham sido desonestos. Exportações suspensas, mais desemprego. Mais vergonha. Mais humilhação.
Vejo os brasileiros sem ânimo, com a autoestima reduzida a quase zero. Vejo as pessoas se acomodando e aceitando a podridão da política e da comida, como se não tivesse jeito de ser diferente. E talvez não tenha mesmo.
Um país em que seu povo engana ele mesmo, de fato, não merece respeito. Por isso sinto vergonha.
Às vezes, sinto que nasci no local errado, na hora errada. Tenho 34 anos, mas me sinto, às vezes, com 50, devido a tantas responsabilidades que acumulo. Gosto de ficar em casa, gosto de música clássica, de bossa nova, de vinho tinto e de um bom livro. Cuido da casa, do marido, do trabalho e de mim mesma. Tenho responsabilidades que pessoas mais velhas não têm. Nunca compactuei com esse tipo de pensamento conformista, mas se falo algo para mudarmos a situação em que vivemos, sou radical. Talvez seja mesmo, porque o certo é o certo, não há meio termo.
Vejo os Estados Unidos, com todos os seus problemas, permitem que pessoas de bem tenham oportunidades, se elas estudarem, se esforçarem. Aqui no Brasil quem estuda é otário, porque o negócio é ser esperto. É o jeitinho brasileiro. Como odeio essa expressão.
O jeitinho brasileiro nada mais é do que o apelido carinhoso da corrupção.
Não existe jeitinho americano, jeitinho sueco ou jeitinho finlandês. Precisamos de seriedade, mas num país onde um palhaço é deputado federal, fica difícil. Num país que o presidente leva embaixadores para jantar carne australiana, enquanto o povo é obrigado a comer carne podre porque não tem dinheiro para reabastecer a geladeira, é piada querer ser sério.
Aí nos Estados Unidos, quem quer estudar e não tem dinheiro pode tentar uma bolsa por seus méritos ou fazer algum esporte. Quando sai da faculdade, terá a garantia de uma vida digna, com um emprego decente. Aqui não. Quando saímos da faculdade, precisamos ganhar um salário de fome, e se for da área de saúde, fazer um concurso para não ser escravo de donos de clínicas e hospitais.
Meu esposo é engenheiro civil e o ramo que ele atua foi o que mais sofreu com esta crise (de egos). Muitos colegas seus estão desempregados, se submetendo a trabalhos sem direitos ou garantias, para sustentar suas famílias. Outros mudaram de área e abriram um comércio. Todos pagaram o preço.
Aí nos Estados Unidos, a engenharia civil é respeitada, valorizada, não só com bons salários mas também com a ética no gasto da verba pública. Pode até ter um ou outro corrupto, mas não é maioria como é aqui. Aqui é um cartel, no qual donos de grandes empreiteiras compravam o apoio político. E os políticos se vendiam sem nenhum tipo de pudor.
Quantas vezes desejei ter nascido em outro país, num local civilizado, que valorizasse minha formação acadêmica de doutorado, que valorizasse a inovação tecnológica que meu esposo domina na engenharia civil, que propiciasse uma boa velhice para meus pais. Num país em que eu pudesse me sentir segura andando na rua, um país que eu não visse tanta desigualdade social, nem pobres nem ricos, apenas pessoas que vivessem com dignidade. Quantas vezes me imaginei ter nascido num país que as leis contra a corrupção, a violência contra a mulher, roubos e homicídios fossem duras, como é aí no seu país. Quantas vezes me imaginei num país desenvolvido, com pessoas educadas e pontuais e que não jogam papel na rua. Quantas vezes me imaginei vivendo tranquilamente, porque teria a certeza que quem é correto seria sempre recompensado.
Infelizmente tudo isso é imaginação porque nasci aqui no Brasil. Infelizmente, em vez de tranquilidade, eu tenho medo. Em vez de orgulho, eu tenho vergonha, em vez de certezas, eu tenho dúvidas.
Hoje, lendo as notícias matinais, eu me senti apátrida.

Daniele Van-Lume Simões      20 de março de 2017


quinta-feira, 16 de março de 2017

O orgulho bom e o orgulho mau


Cresci ouvindo que ser orgulhosa não era uma coisa boa. Hoje vejo que orgulho é necessário para mantermos a dignidade. É algo totalmente salutar neste mundo mesquinho em que vivemos.
O problema não é ter orgulho e sim o tipo de orgulho que você possui. Sim, porque não sei se já te falaram isso, mas há dois tipos: Existe o orgulho bom e o orgulho mau.
O orgulho mau é irmão da arrogância, é o que te faz não pedir ajuda a quem pode fazê-lo pois acha que é o mesmo que se humilhar, é torcer o nariz quando alguém faz algo de bom para você, sem reconhecer as boas ações e intenções.  Esse tipo de orgulho é um veneno. Envenena as relações humanas. Intoxica o coração. Adoece o corpo e a alma.
O orgulho bom é aquele que você tem quando tentam te colocar para baixo ou ferir sua dignidade. É um orgulho reacional, que aparece quando você precisa mostrar que é forte. É aquele que faz você se posicionar diante de uma injustiça ou ataque, é aquele que mantém sua integridade e sua paz de espírito. É aquele que te defende de todos os males e não te afunda.
O bom orgulho faz você dormir bem à noite, o orgulho mau tira seu sono e traz arrependimento.
O bom orgulho faz com que as pessoas te respeitem, o orgulho mau faz com que zombem da sua postura.
O orgulho bom  mostra que você tem dignidade, ética e valores, o orgulho mau mostra que você só tem rancor e inveja.
O orgulho bom  pode abrir portas, o orgulho mau as fecha para sempre.
O orgulho bom faz você se reconciliar quando vale a pena, o orgulho mau te afasta de todos.
O orgulho bom é fundamental para a sobrevivência em sociedade, o orgulho mau é responsável pelo desprezo e solidão.
O orgulho bom renova suas forças e faz você lutar todos os dias pelos seus objetivos. O orgulho mau só faz você desejar o que é dos outros e se perguntar porque aquilo não é seu.
Ter orgulho é importante para sua autoestima, para enfrentar as situações que a vida nos apresenta - diariamente.
Já a escolha do tipo de orgulho que você vai nutrir é só sua. E ela pode te levar a uma vida de sucesso ou ao fundo do poço - na mesma proporção.

Daniele Van-Lume Simões     16 de março de 2017


Constatações

Em pouco mais de três décadas de vida, pude chegar a algumas constatações:
Muita gente se incomoda com o sucesso do outro;
A ajuda vem de onde menos esperamos;
As pessoas sempre prometem mais do que podem cumprir;
Pessoas que você acredita que são amigas, podem não pensar o mesmo de ti;
Casamento é uma lição diária de paciência e amor;
Não há nada de anormal em não querer ter filhos;
Por mais que você seja humilde, sempre vão confundir com falsidade;
Você vai tentar ajudar e vai ser mal interpretada;
Poucas pessoas apreciam o humor ácido, confundem com arrogância;
É proibido falar em doutorado, pelo mesmo motivo do humor ácido;
Sua família resume-se a seus pais e/ou filhos e marido/esposa;
Amigos vêm e vão e é importante saber lidar com a ida;
Nem sempre as pessoas vão querer te ouvir, mesmo que seja importante;
A solidariedade é vista muitas vezes como interesse ou troca de favores;
            A sua admiração pode ser confundida com inveja;
Errar é humano e reconhecer os erros é fundamental, mas poucos irão dar valor a isso;
Acostume-se a contar seus amigos nos dedos de uma única mão;
Não existe fé que não esmoreça uma única vez;
Os males da humanidade são a culpa e a internet;
As relações são, na maioria das vezes, superficiais - poucos vão querer aprofunda-las por pura preguiça ou covardia;
Quem você ama também vai te decepcionar;
Você vai, algum dia, decepcionar quem ama você;
Não vale a pena se importar com o que pensam de ti, a menos que paguem suas contas;
Não tenha medo da solidão - com ela, você se conhece;
Respeite seu corpo, seu cansaço, seus valores e sua família;
Diga que ama sempre que puder, não represe bons sentimentos por orgulho;
Não se culpe tanto por não ser perfeita, pelo rendimento não ser todo dia cem por cento ou pelo que te cobram - o mundo não vai parar por sua causa;
Saiba que tudo na vida é um ciclo - você vai ter altos e baixos sempre;
Dinheiro é muito importante e não há nada de errado em batalhar para tê-lo;
Viajar é o melhor investimento que você pode fazer na vida;
Ajudar alguma instituição é tão gratificante quanto viajar;
Ser educado com as pessoas é fundamental para não perder a razão;
Se perder a razão, pedir desculpas é tão fundamental quanto ser educado;
Sua felicidade nunca deve ser exposta a quem não está pronto para ver a felicidade alheia;
Esqueça mídias sociais, dedique-se ao convívio real com as pessoas;
Peça perdão sempre que magoar alguém, mesmo que não concorde que errou;
Saiba perdoar, esse é o ato mais difícil da humanidade;
Faça o seu melhor e tenha um hobby, para desestressar;
Ore, medite, reze, conecte-se com seu interior e com Deus - isso é fundamental para o equilíbrio;
Esqueça dietas, coma melhor e mais saudável, o mais importante é seu cérebro;
Leia muito - sempre;
Saiba o básico de outros idiomas, isso traz segurança;
Use o que te faz se sentir bem e confortável;
O sorriso é a melhor resposta para muita coisa;
Tolerância é capaz de salvar vidas;
E principalmente: nunca se anule para se moldar a alguém ou a padrões da sociedade.
Seja você e aceite os outros como são.

Daniele Van-Lume Simões 16 de março de 2017


quarta-feira, 15 de março de 2017

A descrença na solidariedade


Começo este texto com uma triste constatação: a crença na solidariedade morreu. Bateu as botas sem sequer agonizar.
Quantas vezes você tentou dar uma palavra de carinho e conforto a alguém, e foi mal interpretado? Simplesmente porque as pessoas perderam a fé umas nas outras. Acham logo que você vai querer algo em troca ou pior, acham que é falsidade mesmo.
Sou a rainha da má interpretação. Já disse várias vezes que meu negócio é escrever, porque expressar meus sentimentos com falas ou gestos nunca foi meu forte.
Uma vez, num emprego novo que arrumei, tentei ajudar uma colega me oferecendo para ir numa viagem num interior do NE, no lugar dela, pois a agenda de viagem da pessoa estava lotada. Pra que fui fazer isso? Meu Deus, se arrependimento matasse!
Fui na boa intenção e ouvi uma rebordosa dela, pois ela disse que eu passei as hierarquias, já que eu sugeri isso à nossa gerente na época. Ora, ela tinha o mesmo cargo que eu, entrou dois meses antes de mim e já estava reivindicando o posto de antiguidade do cargo? Pois é, pois foi assim mesmo. Ela virou minha inimiga número um do lugar, a ponto de nem olhar na minha cara. Numa discussão com essa pessoa, ela reclamou até do meu perfume! Hahaha haja uns 10 anos de terapia dela porque só Freud explica!!!
Hoje me divirto com isso, mas na época foi dose. Sofri, fiquei deprimida, mas como Deus escreve certo por páginas em branco, pedi demissão pois apareceu uma oportunidade melhor e na minha área de formação.
Aí, sonhadora que sou que quer salvar o mundo, passei por outras situações assim, de oferecer ajuda e ser mal interpretada. Ou até de oferecer só uma palavra de conforto e a pessoa, no auge do orgulho, deixar de falar com você.
Ainda sofro com esse tipo de atitude, mas hoje vejo que o problema não é meu. As pessoas não reconhecem mais a solidariedade. Acham que tudo na vida é interesse pessoal ou profissional. Acham que é falsidade, ou que vai vir um pedido de favor depois, ou que você tá só fazendo fita para sair bem na foto.
Tenho pena de quem pensa assim. Tenho pena de quem lê uma mensagem de apoio e ignora porque o orgulho ou a desconfiança falam mais alto. Tenho pena de quem julga mal sem conhecer a pessoa e o seu caráter. Ultimamente, tenho tido pena de muita gente.
Não sou melhor nem pior que ninguém. Sou cheia de defeitos. Mas eu ainda não perdi a fé nas pessoas. Eu acredito em perdão e abraço verdadeiros. Eu acredito na boa vontade de alguém que me escuta quando eu não tô legal. Eu acredito quando se oferecem para me ajudar sem eu pedir. Não fico pensando que a pessoa vai fazer fofoca do que contei nem que quer o meu lugar. Isso é paranoia.
Algumas pessoas dizem que eu sou ingênua, burra mesmo. Eu não ligo. Deixa eu ingênua no meu mundinho do que desconfiada demais no mundinho dos outros.
Meu mundo, certamente, é mais colorido.
Não deixe seu mundo na escala de cinza. A vida merece muito mais cores do que isso.



Daniele Van-Lume Simões  15 de março de 2017


domingo, 12 de março de 2017

Matemática da vida


Hoje de manhã, numa conversa informal com meu esposo, ele falou uma coisa interessante: a maioria das pessoas multiplica por três tudo de bom que tem ou acontece para satisfazer seu ego e parecer melhor do que realmente é para a sociedade.
Vou explicar: se a pessoa tem um milhão no banco, diz que tem três para parecer mais rica. Se a pessoa lidera 300 pessoas no trabalho, diz que lidera quase mil, para parecer mais forte. Se a pessoa tem 3 mil cabeças de gado, diz que tem nove, para parecer mais poderoso. E por aí vai. É quase como uma constante numa equação, multiplicar por três está virando obrigatório num mundo de aparências.
Neste mundo de aparências, aumentar o fato faz ganhar notoriedade. Aumentar o feito faz ganhar prestígio. Aumentar as coisas boas que acontecem faz parecer bem-sucedido, uma pessoa de sorte. Um felizardo. E quem não quer ser amigo de alguém com prestígio, sorte, sucesso e feliz?
É uma preocupação em parecer feliz, em dar satisfação sobre o que faz, o que se come, o que se bebe, o que veste, o que possui, aonde foi, para onde viajou. É uma preocupação constante em fazer parecer real o "vezes 3". É uma preocupação em aumentar tudo o que acontece em sua volta.
É, na verdade, uma matemática mesquinha, medíocre.
Por que em vez de multiplicar, você não passa a dividir?
Dividir seu tempo com quem precisa de atenção ou cuidado, dividir sua comida com alguém que está com fome, dividir um bom dia, dividir uma boa notícia, dividir uma música nova, dividir um pedaço de chocolate com a amiga em TPM, dividir o carro dando uma carona para os colegas que não têm, dividir a vida com alguém que ame de verdade, dividir um conhecimento novo, dividir um conselho amigo, dividir suas roupas que não te servem, dividir sorrisos e boas energias. Dividir fé.



Quando passamos a dividir coisas boas, aí sim, entra a multiplicação. Sabe aquele ditado: "Que você tenha em dobro tudo o que me desejas"? Pois bem. Quando dividimos o bem, sem saber, também o multiplicamos, porque as pessoas com quem dividimos passam a replicar o que receberam. E assim as boas ações são perpetuadas.
Infelizmente, na escola, nos ensinam primeiro a multiplicar e só depois a dividir. Talvez, essa ordem devesse ser alterada para que criemos cidadãos de bem e pessoas dignas, que entendam dos verdadeiros valores da matemática da vida tanto quanto entendem da matemática da prova.

Daniele Van-Lume Simões    12 de março de 2017


As aparências enganam


Neste fim de semana, participei junto com meu esposo de um treinamento com um coach para desenvolvimento pessoal e profissional. Foram três dias convivendo com 150 pessoas desconhecidas, a grande maioria da iniciativa privada. Minha experiência neste mercado foi breve, de menos de um ano e saí de lá ouvindo que não tinha o perfil, já que desde a faculdade trabalhei no serviço público. Mesmo assim, aceitei o convite do meu esposo e fui.
Fui, meio receosa de não me encaixar, de me sentir um peixe fora d'água, já que a maioria das pessoas não tinham o mesmo perfil profissional que o meu. Fui, achando que iria encontrar moças vestidas de tailleur e rapazes de terno, todos muito seguros de si e do seu propósito, com falas eloquentes, no tom e alturas certos e eu acabaria ficando em desvantagem, metendo o bedelho num terreno que não é o meu. Mas não. Surpresa! A vida tem dessas coisas...


Foi um final de semana intenso, de muitas observações. De fato, quase não participei. Não me sinto à vontade com palestras ministradas em tom de pregação, nem de coreografias e dinâmicas em grupo que eu enxergo mais como um mico do que como interação interpessoal, mas observei muitas pessoas, suas reações e a mim mesma.
Vi pessoas abrindo sua vida pessoal, citando fatos traumatizantes de sua infância e/ou adolescência para 150 desconhecidos. Fatos que até Freud se revirou na tumba. Vi pessoas chorando horrores, mulheres mais velhas, homens de cabelos brancos, vulneráveis como uma criança com medo de escuro. Vi gente abrindo o coração e desabafando tudo o que não desabafou a vida inteira. Vi gente se emocionando, gritando, dançando, quase um transe. Vi gente pedindo a benção do palestrante como se fosse um Deus, seja pro matrimônio, seja pros negócios, seja para a família. Gente que precisava urgentemente de alguma aprovação.
Vi tanta coisa que me fez concluir que o grande mal que afeta a humanidade é um só: a culpa. Não importa o motivo, o fato ou a escolha, tudo o que foi relatado culminava na culpa.
Culpa de não ser um bom marido ou esposa. Culpa de negligenciar os filhos ou os pais. Culpa de sentir preguiça, desânimo, cansaço. Culpa de ter perdido a fé em si mesmo, em Deus e na humanidade. Culpa de não se achar bom o suficiente porque te culparam a vida inteira por isso. Culpa de ser bonita, de ser nova, de ser velha. Culpa de não querer ter filhos. Culpa de não poder ter filhos. Culpa de ser mulher. Culpa, culpa, culpa. 
O motivo era o que menos importava. Todos se sentiam culpados de algo. E eu senti até um pouco de culpa de ficar ali, espreitando o comportamento das pessoas, analisando os outros, em vez de olhar somente para mim mesma. Me senti uma fofoqueira em silêncio, observando tudo o que acontecia, comentando mentalmente cada situação, meio que em choque, meio que com curiosidade, mas com profunda compaixão.
No entanto, observar é uma forma de aprender e refletir. Vi que todas as vezes que fui infeliz, eu tive culpa ou senti culpa em algum momento. Hoje, sei lidar melhor com isso. São poucas coisas que me fazem sentir culpa. Aprendi a me perdoar quando minhas cobranças extrapolam meus resultados. Aprendi que não posso sentir culpa se algo não sai como quero. Aprendi que erro e vou errar sempre porque não consigo ser dissimulada e tampouco perfeita. Aprendi que a vida é dinâmica e não depende só das minhas escolhas. E eu não tenho culpa das escolhas dos outros. E por ter aprendido tudo isso ao longo de pouco mais de três décadas de vida, é que fiquei quietinha na minha, olhando tudo o que acontecia a minha volta. Aprendi que ouvir é melhor do que falar. E hoje foi a prova disto.
Hoje, vi um monte de gente bem vestida, com cara de pessoas de sucesso, sentindo culpa e se expondo sem filtros. Vi quanta carência existe no mundo de hoje, mesmo com a velocidade absurda de informações e conexões que são feitas. Quanto mais amigos virtuais, maior é a solidão e futilidade. Vi que as pessoas, muitas vezes, estavam ali para se sentirem acolhidas, ganharem um abraço ou uma palavra de incentivo e principalmente a aprovação. Do palestrante, dos colegas, de si mesmos. Vi que as aparências enganam, e como enganam. E eu, que achei que não teria cacife para participar de um encontro assim, revi minha opinião.
Eu, funcionária pública por profissão, escritora por vocação e amante de vinhos por paixão, vi ali tanta energia sendo liberada com choro, reza e vela – e ainda assim, eu mantinha meu equilíbrio. Mas eu não estava insensível aos depoimentos, eu estava apenas observando o comportamento de todos que me cercavam - inclusive do palestrante. Eu estava aprendendo numa espécie de laboratório da vida real sobre comportamento humano.
A maturidade, quando vai chegando, te faz mais observadora do que faladora. A maturidade te faz mais tranquila e reservada. Fui para um treinamento, achando que encontraria uma coisa e vivenciei outra: um show business misturado com o show da fé, que demorei para processar e aceitar essa experiência como válida.
Mas como tudo na vida é um aprendizado, hoje aprendi que sou mais centrada do que imaginei, mais equilibrada do que achei, mais forte do que senti que fosse. Hoje vi que meu caminho está bem trilhado e que sim, eu tenho sonhos, muitos deles e que já realizei vários. Tenho também muitas realizações a serem alcançadas, mas sei que estou no caminho que deveria estar hoje. Nem um passo atrás nem a frente. Tá, vai, uns dois passinhos a frente não fazem mal a ninguém.
Hoje me senti sortuda por estar enxergando tudo isso, enquanto a maioria das pessoas estava só vendo o óbvio: a sua dor e a sua culpa. Já me livrei das minhas a um bom tempo. Se eu ainda sentia alguma culpa sobre alguma coisa, vi hoje o quanto ela é insignificante diante de tanta escassez de equilíbrio, de repressão de emoções, de dificuldade de gerir sentimentos e relacionamentos e da falta de ânimo e fé que estão atropelando as pessoas como um carro desgovernado.


Bem-vindo ao "cyber networking world" de aparências construídas sem sustentação, valores e objetivos reais. É este mundo que está nos consumindo todos os dias e influenciando as pessoas de uma forma negativa e cruel. Hoje, o mundo de muita gente ruiu. Ainda bem. Nunca será tarde para desconstruir e reconstruir o futuro de uma forma digna.
Tudo isso serviu para eu refletir e enxergar que eu sou mais realizada do que imaginava ser e que a vida tem um sentido. E que se você não observar atentamente o que ocorre a sua volta e principalmente dentro de você, se você não souber quem você é e o que quer para a sua vida, a ferocidade do mundo vem e te engole sem sequer engasgar. 


Daniele Van-Lume Simões     12 de março de 2017




quarta-feira, 8 de março de 2017

A incontinência verbal

Hoje li uma expressão que me chamou a atenção: incontinência verbal. Já vi incontinência urinária e incontinência pigmentar (um problema genético em um dos cromossomos), mas incontinência verbal não. E achei o maior barato.
A história é de uma freira que usa uma ferramenta de rede social para escrever o que pensa – e claro, como todo mundo, ela é mal interpretada. Principalmente por ser direta. Poucas pessoas estão acostumadas a isso.
Copio, aqui, um trecho da entrevista: "Reconheço que às vezes tenho incontinência verbal e que não sou prudente. Mas sempre penso na boa fé das pessoas e não nos mal-intencionados", diz. "Não tenho medo das pessoas, mas sim dos fundamentalistas e os que querem ver algo mau onde não há", acrescenta.
No Brasil, ser direta é ser deselegante, porque a maioria das pessoas gosta mesmo é de floreio e puxa-saquismo. Ser direta é ser rude ou grossa, porque as pessoas gostam de palavras difíceis para mostrar eloquência e impor respeito. Ser direta e pragmática, então, meu Deus, é quase suicídio social. Experimente, e se sobreviver, me conte.
Aí, vejo a reportagem e uma pessoa como outra qualquer, uma mulher, forte e doce ao mesmo tempo, uma mulher que inclui as pessoas e quer ser incluída ao adotar novas formas de comunicação sendo julgada pelo que pensa ou fala/escreve por gente que nem se dá ao trabalho de compreender sua fala/escrita.
Quantos de nós não julgamos alguma vez alguém mal por falar o que sente ou pensa, sendo que a falsidade é algo muito mais dolorido de enfrentar? Quantas vezes nós fazemos rodeios para expor um assunto com medo do que os outros vão falar depois? Quantas vezes calamos, sendo que calamos não por evolução ou resignação, mas por covardia de enfrentar uma situação ou alguém?
Para os que me conhecem, tenho fama de ser direta. Para os que não me conhecem direito, mas que adoram um julgamento, eu pareço rude e arrogante algumas vezes. Não sou dona da verdade, claro que não, mas não gosto de gente que finge ser uma coisa que não é ou que não sente. Já me importei muitas vezes com o que pensavam ou falavam por conta do meu jeito, mas hoje vejo que não me importo mais.
Com o passar dos anos, passei a ter alguns filtros para que não fosse confundida com inconsequente. Afinal, vivemos em sociedade. Mas se tiver que falar algo para alguém, vou falar, mesmo que erre. Não tenho problema em reconhecer quando erro. Porém, temos que separar o que de fato é ofensivo de discussões baseadas em melindres de alter ego. Para estes últimos, definitivamente, não tenho paciência. Aí sou curta. E grossa.
Por isso, prefiro mil vezes a incontinência verbal – minha e das pessoas, do que a falsidade de um “oi, querida” quando na verdade querem te ver pelas costas.
Obrigada, irmã Lúcia, por lutar, mesmo que inconscientemente, contra a hipocrisia.
Segue o link da matéria:

Daniele Van-Lume Simões    08 de março de 2017