segunda-feira, 20 de março de 2017

Carta a Trump

Dear Mr President,

De uns tempos para cá, tenho sentido algo que eu nunca senti antes: vergonha de ser brasileira. Sempre achei que a pessoa deveria ser patriota, amar seu país, lutar para que ele se torne um lugar melhor, independente de qual país fosse. Os americanos sabem bem como fazer isso. Não há um só filme que não mostre a bandeira dos Estados Unidos. Aqui, no Brasil, a bandeira só aparece na Copa e depois mofa na gaveta.
No entanto, acredito que amar um país que tem a maior economia do mundo talvez seja mais fácil do que amar um país com um dos sistemas políticos mais corruptos do mundo. Apesar da corrupção instaurada desde 1500, fiz questão de me politizar, votar e acompanhar o desenrolar político desde então. Mesmo com essa política suja, acreditava que o Brasil poderia ter jeito. Mas de uns tempos para cá, as coisas estão bem House of Cards, com a diferença que os políticos daqui não dão a mínima para escândalos.
A voz do povo é muda. A massa é manipulável com movimentos da moda, como panelaços e buzinaços, incitados pela mídia, em prol de interesses não muito claros. Faz tempo que perdemos nossa dignidade.
Sempre fui contra xenofobias ou quaisquer tipos de preconceitos, mas hoje não me sinto brasileira. Hoje eu me sinto excluída dessa sociedade que protesta pelos motivos errados, que engole corda de uma mídia manipuladora e que é enganada – e aceita isso - até no seu alimento, pois pensa que o que não tem solução, remediado está.
Não basta a crise política, o desemprego de 12 milhões de pessoas (fruto dos panelaços e do ego de uns magistrados aí), a corrupção ambidestra - direita e esquerda, o futebol desmoralizado, ainda descobrimos que somos enganados até na hora sagrada da refeição. Carnes podres, misturadas a não sei o quê, contaminadas com não sei o que lá, comercializadas como sendo de boa procedência, de "marca".
Tudo isso para piorar ainda mais o cenário econômico do Brasil, com a destruição do agronegócio, que demorou muitos anos para ter a credibilidade de países de primeiro mundo. Todos pagam o preço, mesmo que alguns poucos tenham sido desonestos. Exportações suspensas, mais desemprego. Mais vergonha. Mais humilhação.
Vejo os brasileiros sem ânimo, com a autoestima reduzida a quase zero. Vejo as pessoas se acomodando e aceitando a podridão da política e da comida, como se não tivesse jeito de ser diferente. E talvez não tenha mesmo.
Um país em que seu povo engana ele mesmo, de fato, não merece respeito. Por isso sinto vergonha.
Às vezes, sinto que nasci no local errado, na hora errada. Tenho 34 anos, mas me sinto, às vezes, com 50, devido a tantas responsabilidades que acumulo. Gosto de ficar em casa, gosto de música clássica, de bossa nova, de vinho tinto e de um bom livro. Cuido da casa, do marido, do trabalho e de mim mesma. Tenho responsabilidades que pessoas mais velhas não têm. Nunca compactuei com esse tipo de pensamento conformista, mas se falo algo para mudarmos a situação em que vivemos, sou radical. Talvez seja mesmo, porque o certo é o certo, não há meio termo.
Vejo os Estados Unidos, com todos os seus problemas, permitem que pessoas de bem tenham oportunidades, se elas estudarem, se esforçarem. Aqui no Brasil quem estuda é otário, porque o negócio é ser esperto. É o jeitinho brasileiro. Como odeio essa expressão.
O jeitinho brasileiro nada mais é do que o apelido carinhoso da corrupção.
Não existe jeitinho americano, jeitinho sueco ou jeitinho finlandês. Precisamos de seriedade, mas num país onde um palhaço é deputado federal, fica difícil. Num país que o presidente leva embaixadores para jantar carne australiana, enquanto o povo é obrigado a comer carne podre porque não tem dinheiro para reabastecer a geladeira, é piada querer ser sério.
Aí nos Estados Unidos, quem quer estudar e não tem dinheiro pode tentar uma bolsa por seus méritos ou fazer algum esporte. Quando sai da faculdade, terá a garantia de uma vida digna, com um emprego decente. Aqui não. Quando saímos da faculdade, precisamos ganhar um salário de fome, e se for da área de saúde, fazer um concurso para não ser escravo de donos de clínicas e hospitais.
Meu esposo é engenheiro civil e o ramo que ele atua foi o que mais sofreu com esta crise (de egos). Muitos colegas seus estão desempregados, se submetendo a trabalhos sem direitos ou garantias, para sustentar suas famílias. Outros mudaram de área e abriram um comércio. Todos pagaram o preço.
Aí nos Estados Unidos, a engenharia civil é respeitada, valorizada, não só com bons salários mas também com a ética no gasto da verba pública. Pode até ter um ou outro corrupto, mas não é maioria como é aqui. Aqui é um cartel, no qual donos de grandes empreiteiras compravam o apoio político. E os políticos se vendiam sem nenhum tipo de pudor.
Quantas vezes desejei ter nascido em outro país, num local civilizado, que valorizasse minha formação acadêmica de doutorado, que valorizasse a inovação tecnológica que meu esposo domina na engenharia civil, que propiciasse uma boa velhice para meus pais. Num país em que eu pudesse me sentir segura andando na rua, um país que eu não visse tanta desigualdade social, nem pobres nem ricos, apenas pessoas que vivessem com dignidade. Quantas vezes me imaginei ter nascido num país que as leis contra a corrupção, a violência contra a mulher, roubos e homicídios fossem duras, como é aí no seu país. Quantas vezes me imaginei num país desenvolvido, com pessoas educadas e pontuais e que não jogam papel na rua. Quantas vezes me imaginei vivendo tranquilamente, porque teria a certeza que quem é correto seria sempre recompensado.
Infelizmente tudo isso é imaginação porque nasci aqui no Brasil. Infelizmente, em vez de tranquilidade, eu tenho medo. Em vez de orgulho, eu tenho vergonha, em vez de certezas, eu tenho dúvidas.
Hoje, lendo as notícias matinais, eu me senti apátrida.

Daniele Van-Lume Simões      20 de março de 2017


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