sexta-feira, 2 de junho de 2017

Julgamentos pessoais


As pessoas normalmente julgam. Nasceram juízes. Julgam sua roupa, seu sapato, seu carro, sua escolaridade, seus modos. Desde crianças julgamos. A primeira pergunta na escola é: Qual o carro do seu pai? Afinal, querem saber qual o pai mais rico para discriminar o filho do pai mais pobre. Criança não entende de carro, mas desde cedo entende que vai passar por isso a vida inteira.
Sempre fui julgada. Primeiro por ser filha única. Mimada, chata, egoísta são alguns dos adjetivos que sempre me colocaram sem me conhecer. Quase ninguém sabe da minha história nem o quanto lutei para chegar até onde cheguei. Ninguém sabe quantos fins de semana abri mão para estudar, trabalhar, correr atrás dos meus sonhos. Nem vão saber. Minhas contas são pagas por mim. Arrogância? Que seja. Eu chamo de discrição. Ouvi recentemente de um professor da Johns Hopkins: -Achei que você era chata, mas você é legal. E em espanhol. Eu apenas sorri. Julgamentos alheios não escolhem nacionalidade. É um mal universal.
Na adolescência fui julgada por ser gorda, por ser CDF (nerd hoje em dia), por ser tímida. Tinha vergonha de falar com pessoas que não conhecia e por isso me julgavam metida. Não era, era apenas timidez. Tinha vergonha até de dizer pros meus pais o quanto os amo. Perdi 20 anos calada, sem expressar meus sentimentos para as pessoas mais importantes da minha vida. Ainda bem que hoje eu tenho 34. Tem 14 anos que eles sabem disso.
Quando escolhi a faculdade que queria fazer, fui julgada porque não fiz medicina ou direito pela família, pelos amigos, até pelo coordenador da escola. “Você é capaz de passar em medicina”. E eu pensava: “Eu sei”. Mas eu queria ser cientista, conhecer moléculas, os genes, a imunopatologia das doenças. Fui julgada por querer ser cientista. Engoli os julgamentos e fiz meu curso, meu mestrado, meu doutorado. Sou nerd mesmo e daí? Isso não é defeito, é apenas um modo de viver.
Já fui julgada por ser mulher. Já fui julgada porque sou vaidosa. Acham-me fútil. Não ligo. Sou vaidosa, adoro meus sapatos, minhas maquiagens e minhas máscaras de argila. Adoro ficar a cara do Shrek, para depois ter uma pele de seda. Divirto-me com isso. E com tantos julgamentos, aprendi a ligar o foda-se, enquanto passo minha máscara.
Hoje não é diferente. Tenho meu trabalho, meu casamento, minha casa e continuo sendo julgada. Os julgamentos são pessoais. Vêm de todos os lados. Discussão no campo das ideias não existe. O ataque é pessoal. Ah, Schopenhauer... há três séculos você já sabia disso. As pessoas andam donas da verdade e eu, claro, estou errada. E isso é verbalizado. Respeito com a opinião ou o trabalho alheio andam em falta. As pessoas estão agressivas, cheias de razão, cheias de si. Enquanto ofendem, eu acho graça. E acho que se ocupam tanto com julgamentos alheios exatamente por isso: andam cheias de si. Deve ser insuportável ser um juiz sem causa.
E eu? Bom, eu estou muito ocupada. Cuidado da minha vida e do que realmente importa. E ligando o dane-se para os juízes da minha vida.

Daniele Van-Lume Simões      02 de junho de 2017


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