terça-feira, 8 de novembro de 2016

A crônica e a liberdade


Se eu pudesse definir o que sou, não conseguiria dizer outra coisa que não fosse escritora. Todos os outros adjetivos eu aprendi a ser, sejam bons ou ruins – vieram de experiências pessoais ou estudos na área, com diplomas e títulos. Mas ser escritora não. Escritora amadora, mas escritora. Nasci escritora. Até o nome ‘amadora’, embora lembre algo principiante, ou ainda, sinônimo de que é algo feito por lazer, me soa agradável. Mas é isso mesmo. 
Escrevo por lazer, de acordo com as experiências que acumulo, que vivencio ou simplesmente observo. Escrevo por nada ou por algum motivo especial. Escrevo. Então acredito que sempre serei principiante, pois há um mundo inteiro a ser descoberto e escrito - e sempre haverá. 
Não tenho medo de errar quando escrevo. Sou humana. Mas não estou falando de regras de português apenas – falo de opiniões, ideias, às vezes tão firmemente defendidas, e outras desconstruídas com o passar dos anos e com a chegada da maturidade. Mas sempre escrevo com paixão e por amor. 
Amor às palavras, tão profundas, tão lindamente articuladas numa frase. Palavras intensas – apaixonadas – para expressar uma ideia. Amor às palavras fortes, e até mesmo grosseiras, mas vivas! Amor à mágica da conotação, das metáforas – ou quando quero ser direta – da denotação. Amor às conjunções que explicam melhor o que queremos dizer, que conectam as palavras e os sentimentos do leitor e do escritor ou até mesmo do ouvinte. 
Ah, e o sujeito indefinido, ou ainda, o oculto, que você diz, sem dizer quem disse, claramente? Quantas vezes na vida não agimos indefinidamente, ocultamente – sendo que neste último suspeitam de nós? Seja para preservar alguém ou a si próprio? 
O que dizer dos verbos omitidos numa sentença por uma única vírgula. Vírgula que diz pausa. Pausa para pensar – ou neste caso – pausa para agir. Há os verbos sem sujeitos. E os meus preferidos, os verbos intransitivos. Eles, simplesmente, são. Fazem acontecer. Não dependem de ninguém para terem sentido. Amar deveria ser assim, já dizia o poeta Mário de Andrade. Completamente intransitivo e sem dúvidas do que significa. Ame. Viva. Brinque. Durma. Relaxe. 
Brincar com as palavras é algo enriquecedor. Lê-las e se emocionar verdadeiramente é algo sublime, íntimo. Hoje, nos tempos modernos, tudo é expresso. Rápido. As palavras foram erradamente abreviadas, violentadas, engolidas. Blz, Tb, Vlw.  Enfiadas em 140 caracteres, com abreviações estapafúrdias. Mas o encanto pode ser recuperado, basta deixar a imaginação fluir e os dedos trabalharem junto à mente e principalmente, ao coração. Deixar os intransitivos aflorarem, as conjunções conectarem (com perdão da redundância) e o que estiver oculto, vir à tona, sem medo do que ou de quem vai aparecer. 
Escrever é desnudar-se sem dó, sem amarras, sem correntes com o que não pode ser dito. Escrever o que se sente e o que se pensa é um ato de coragem. Escritores são corajosos. Dão a cara à tapa e não estão nem aí com o tamanho da surra. Só querem se expressar. Os seres humanos já são, por necessidade ou não, tão dissimulados ao longo da vida, então não se permita ser também no papel. Nele, você encontra a liberdade. A verdadeira liberdade. Honre o que você escreve. Escreva você. Não tenha medo de si próprio. Desnude-se. Seja intransitivo. Seja livre.


Daniele Van-Lume Simões 08 de novembro de 2016


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