Já
se foi o tempo que cozinhar era tarefa exclusiva de donas-de-casa. O que era
visto como uma sub tarefa, uma obrigação exclusiva de mulheres que não
trabalhavam fora, hoje é visto como uma necessidade do mundo moderno. Mais
ainda, como um grito de independência.
A
vida moderna nos trouxe facilidades como micro-ondas, comida (comida?!) semi-pronta,
congelada, ultra processada, ultra desidratada, ultra misturada com um monte de
produtos químicos. Nos trouxe também um preço alto a ser pago com nossa saúde por
tanto lixo consumido.
Em
muitas casas, devido a nossa cultura machista e arcaica, ainda é dever da
mulher cozinhar, mesmo que ela trabalhe fora, mesmo com milhares de obrigações
outras. Por isso, na tentativa de não deixar ninguém com fome e ter tempo para
respirar – já que muitas vezes não tem com quem contar para dividir esta tarefa
doméstica – apelou-se para os pratos prontos, ilusoriamente vendidos como
saudáveis pela indústria alimentícia.
De
olho na pressa do mundo moderno, a indústria caiu matando. Literalmente.
Matando de diabetes, aterosclerose, esteatose, hipertensão. Vendeu uma ideia de
que pratos prontos enriquecidos com vitaminas e sais minerais eram saudáveis
mesmo com vencimento para 2023. Vendeu ilusão de uma comida gostosa, de “restaurante”,
mas barata e pronta em 10 minutos. Vendeu sucos em caixa “sem conservantes” com
validade de dois anos. Essas frutas só podem ter vindo da terra do MacGyver. Quem
nunca viu uma famosa marca de salgadinhos fritos dizendo que o produto tem
vitaminas, sais minerais e cálcio? Hahaha, é de rir para não chorar!
Com
isso, a população engordou, passou a comer lixo em vez de “comida de verdade”,
expressão criada pela minha amada Rita Lobo, que tive o prazer de conhecer num
evento no Ministério da Saúde.
Agora,
depois de duas décadas de ilusão industrial alimentícia, as pessoas estão repensando
o ato de alimentar-se e junto, o de cozinhar. Só que como o ser humano adora o
extremo da coisa, saiu do total junk food para outra moda: a fitness, mais
conhecida como “blergh”.
Essa
moda leva batata doce, ovo sem gema, frango sem pele, leite sem lactose, doce
sem glicose, macarrão sem glúten, ou seja – comida sem sabor de comida (me
desculpem os marombeiros, mas vocês não comem, almoçam “remédios”).
Eu
sou à moda antiga, ainda fico com o bom e velho arroz com feijão, bife, salada.
Com o ovo frito de manhã na manteiga, com pão fresquinho e um bolo de fubá. Com
a sopa de feijão ou de legumes do jantar. Eu fico com a dieta da minha avó,
simples e cheia de sabor.
Nos
primórdios da humanidade, o homem coletava grãos, frutos e legumes, até que
aprendeu a caçar. Depois, a cozinhar. E hoje, está reaprendendo algo que nunca
deveria ter esquecido. Hoje, depois que a moda fitness deu uma acalmada, estamos
voltando às raízes e buscando cada vez mais comidas de verdade, orgânicas,
nutritivas, preparadas no conforto de casa, com o sabor que em nenhum lugar
você vai encontrar. Com todos os ingredientes que a natureza provém.
Para
mim, cozinhar é sinônimo de independência. É você não precisar de ninguém para
te trazer ou te fazer comida. Quer coisa mais chata quando o delivery atrasa e
você está azul de fome? Cozinhar é você não precisar se entupir de lasanha
congelada porque não sabe fazer uma comida caseira, nem que seja um arroz com
ovo frito. E vou te dizer, um arroz branquinho e soltinho com um ovo frito
malpassado é delicioso! Joga uma pitada de pimenta do reino em cima e um fio de
azeite... Voilà! Dos deuses!
Eu
sempre gostei de cozinhar, desde a adolescência. O que começou por curiosidade,
hoje é uma paixão. Lembro do meu primeiro prato: penne ao molho branco. Ficou
tão bom, mas tão bom, que até meu pai que não é chegado em macarrão comeu dois
pratos.
Claro
que nessa jornada culinária também fiz muita cagada. Queimei ovo, solei bolo,
grudei macarrão, queimei feijão... Tudo o que você imaginar. Mas foram esses
erros que me fizeram cozinhar melhor hoje. Foram esses erros que me fizeram
tentar de novo até acertar e dessa forma, me tornar independente, capaz de
preparar minha própria comida. Yes, we can!
Hoje,
digo que cozinhar, mais que uma necessidade, tornou-se um luxo. Sempre lutamos
pela independência financeira, depois passamos a lutar pela independência emocional
e agora, a independência culinária. Essas três são sim artigos de luxo.
Valorize esta última para que não se perca no tempo e na pressa, como uma já vez
se perdeu.
Daniele
Van-Lume Simões 29 de março de 2017
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