segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Os meus eus e o hoje


São tantos eus. Eus que fui um dia e não me reconheço mais. Eus que ainda sou e não pretendo deixar de ser. E o meu eu atual, que pode se desatualizar daqui a cinco minutos. 
Já fui nerd, gorda, magra, loira, morena, da praia, do interior, do forró, do rock, do samba, do pagode (abafa) e da bossa nova. Hoje sou do silêncio.
Já fui biomédica, já fui pesquisadora, já fui quase enfermeira, talvez até psicóloga, seja de amigas, seja da minha mãe, seja de mim mesma. 
Já fui paciente, já fui doutora, já fui estudante, mas sou sempre aprendiz. Aprendo todo dia algo e sou grata por perceber que a vida é um enorme aprendizado.
Já fui das festas, já fui de casa, hoje sou do que quero.
Já fui sincera, já fui grossa, já fui manteiga derretida e tudo em excesso faz mal. Ainda estouro, mas estou aprendendo a ser mais contida sem ter um enfarte.
Já fui rica, já fui pobre, e hoje não tenho do que reclamar. Já perdi minha saúde, já recuperei. Só peço ao Criador que eu não perca minha sanidade neste mundo louco.
Já quis ser astronauta, paleontóloga, professora, cientista. Ainda viajo na maionese, adoro história, gosto de dar palestras e de pesquisar. Acabei sendo um pouco de tudo. Que bom. Sou todos esses eus.
Já fui revoltada, já fui submissa, hoje sou a minha opinião - que pode mudar e não há problema nenhum nisso. Obrigada 30 anos. 
Já fui de comer camarão toda semana e hoje eu sou alérgica. Espero não ficar a vinhos.
Já tive pânico de avião, hoje eu adoro viajar nele. É como se eu perdesse o total controle da minha vida e consigo relaxar. Vejam só que contradição.
Já fui triste, feliz, triste, feliz... e posso ser as duas coisas num dia só, só depende de como ele for.
Já me importei demais, já liguei o dane-se lindamente, mas se me importo é porque ainda tem algum significado. O foda-se significará exatamente isso: foda-se. E o meu é em cima do salto.
Já errei muito, já acertei outras tantas, mas não me arrependo de nada. Tudo aconteceu na minha vida do jeito que tinha que ser, do jeito que escolhi e do jeito que precisei para amadurecer. E putz, dói. Amadurecer dói. Mas eu ainda assim acho válido.
Já tive amizades de infância que acabaram há pouco tempo pelo silêncio ou pelo sumiço, já fiz amizades que mesmo com a distância imensa, ainda se importam (Valeu Aninha e Carol), já fiz novas amizades talvez até mais importantes hoje que as antigas, porque são elas que seguraram minha mão quando precisei (Ray e Noely, beijos!). Espero ter sempre amizades – novas ou antigas, não importa - e ser uma boa amiga. Isso sim eu quero ser.
Já morei com meus pais, já saí de casa e agora estou em outro estado. Um dia, talvez esteja em outro país. Onde eu estarei amanhã? Amanhã eu saberei.
O que quero dizer com tudo isso é que não importa se você mudou de gostos, de rumos, de planos, de profissão, de amizades ou de cabelo. O que importa é você se reconhecer a cada mudança e se sentir segura no seu eu. E se sentir livre para fazer dele o que bem entender.
Daniele Van-Lume Simões      28/11/2016



quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Vazios


Há vários tipos de vazios. Há aquele vazio no estômago, que chamamos de fome. Há o vazio da conta bancária, que chamamos de pobreza. Há o vazio de amigos, que chamamos de solidão. Mas o pior vazio é o da alma. É uma mistura de tudo. Solidão porque se sente saudade de quem amamos e que nenhuma pessoa será capaz de preencher. Pobreza, às vezes de espírito, às vezes de atitudes, muitas vezes conhecida como inércia ou covardia. 
Estado de choque. Como a vida passou tão rápido? Como tudo desmoronou sem que percebêssemos o alerta? Como o vazio tomou tão grandes proporções a ponto de ter vida própria e nos levar a um buraco negro? Como não percebemos que nossos erros e o vazio andam de mãos dadas?
E a fome... Esse vazio que te lembra de que um dia existiu fome de viver, de voltar no tempo, de fazer diferente. Fome de dizer a verdade - e não verdades. Fome de acertar.
O vazio também pode ser bom. Medita-se para alcançar o vazio de pensamentos, para que a alma se preencha. Engraçado, eu diria até contraditório, mas é isso mesmo. É preciso esvaziar-se para preencher-se.
Pensamentos demais atrapalham, fazem a gente ter atitudes que não queremos, dizer o que não planejamos, magoar quem amamos, faz o vazio aumentar. Meditar é esvaziar-se de tudo o que pode afetar seu equilíbrio e dessa forma, conseguir sentir-se pleno, preenchido, mesmo que o vazio insista em ficar.
Hoje preciso meditar mais e pensar menos. Sentir os vazios sem medo. Meditar acalma o coração, traz respostas que nem esperávamos, faz a gente enxergar o que estava errado. Meditar alivia a dor.
O tempo anda tão corrido, tão cheio de coisas e ao mesmo tempo o vazio vai crescendo. Tomam proporções incontroláveis.
Como nos afastamos das pessoas que amamos? Como alimentamos esse vazio sem percebermos? Como desrespeitamos o nosso semelhante, que amamos tanto? Como um vazio pode ser tão prejudicial a ponto de ser a única coisa que nos resta? Como?
Hoje sinto um vazio enorme no peito e, por isso, vou meditar, para quem sabe preencher novamente minha alma com um sentimento que o vazio roubou de mim, o amor.

Daniele Van-Lume Simões  23/11/2016


sábado, 19 de novembro de 2016

A Inspiração e as crônicas


Sei que alguns leitores entram todo dia no blog para ver se tem novidade. E olha, fico muito feliz por isso. Mas escrever requer inspiração, mais que tempo. Tempo arranja-se. Nunca deixei de escrever por falta de tempo e sim de inspiração.
Inspiração dá e não escolhe hora. Pode ser às 3 da manhã, numa ida à cozinha para beber água. Pode ser no meio daquela reunião chata ou no final do sábado, como agora.
Inspiração é praticamente uma necessidade vital, para quem escreve genuinamente. É como a fome, a sede, o sono, a vontade de fazer xixi - não escolhemos a hora de sentir.
Inspiração é algo maravilhoso, basta você abrir a sua mente e deixar os pensamentos virem. Os dedos teclarem, sem medo do que será escrito.
Inspiração é o que sua alma sente e pode ser externalizado em textos. 
Por isso, não tenho uma regularidade para postar crônicas. Às vezes sai duas, três, no mesmo dia. Outras, fico 4 dias sem uma ideiazinha sequer. E isso quer dizer que eu respeito o meu leitor e por isso, não saio postando qualquer bobagem de cunho artificial só para garantir números altos de acesso.
Eu respeito o seu tempo, quando entra aqui para ler algo legal e quem sabe, inspirador para seu dia.
E acima de tudo, respeito minha essência, quando dou lugar à inspiração na hora de escrever.

Abraços e obrigada pelas visitas ao blog!



O povo brasileiro e a política


Há algum tempo desisti da política. Era presença assídua em comitês eleitorais, passeatas, discursos. Mas depois de tudo o que aconteceu esse ano, resolvi abstrair para não perder minha sanidade, e principalmente, meus princípios. 
Não discuto mais política, pelo menos, até essa esquizofrenia de que tipo de regime estamos passar. Ou é presidencialismo, ou é parlamentarismo. Ou então fecha a birosca, e chama a 'realeza' portuguesa de novo. Não dá para fingir que é uma coisa, quando acontece outra.
Mas o que tem me chocado hoje em dia nem é os políticos brasileiros. Esses sempre me chocaram, desde 1992, quando houve o impeachment do Collor. E olhe que eu era pequena e nem sabia escrever impeachment.
O que me choca é a frivolidade que o povo brasileiro trata de assuntos sérios. Assuntos que deveriam ser debatidos, discutidos, são motivos de chacota, de piada, de memes e gifs. Ou pior, de discursos intolerantes e sem o menor sentido.
Já cheguei a pensar que a vida anda tão difícil e a esperança tão ausente, que fazer brincadeira com coisas sérias seria uma forma de extravasar. Mas não. É muito pior.
TUDO é motivo de palhaçada. E alguns são piores - os que creem veementemente nisso. E defendem essas atrocidades com unhas e dentes.
Esse povo me assusta. Leio comentários nas páginas de notícias políticas e fico assustada com tanta visão deturpada e psicopata que existe de pessoas desinformadas, doutrinadas por jogos violentos de internet e 12h de computador por dia. Pior que crack.
Pessoas semianalfabetas, que mal sabem escrever direito, que cometem erros grotescos de português (e de ética), mas que serão o futuro do país. 
Pessoas leigas de política, de experiência de vida, de ideias e ideais, escrevendo merda, pregando o ódio por aí. Pessoas vazias de conhecimento, de sentimento, de causa. Vão na moda que nem um mico adestrado.
Cada vez mais tenho me afastado da política e de discussões sobre o assunto, o que pode ser até uma covardia minha, mas enquanto o mundo estiver de cabeça para baixo e alguns governantes forem palhaços - sem trocadilhos com o Deputado, por favor -, eu prefiro calar. Enquanto houver bajuladores e defensores de pessoas que pregam a irracionalidade, a não democracia, a falta de respeito seja a quem for, eu prefiro me calar. Acho que nem é covardia não, é cansaço mesmo. Esse cenário atual, cheio de juízes paranaenses on line já deu. 
Não adianta discutir um assunto tão sério com quem só sabe atacar. Seja utilizando palavras de ódio, de deboche ou ironia disfarçada de humor. É meu amigo, como diria Schopenhauer: "Quem não tem argumentos, ataca".
Enquanto isso, vou acompanhando esse circo pegando fogo, com uma tristeza enorme no peito pela cremação forçada da política brasileira. Meus pêsames.



O respeito e as pessoas


Respeito é algo raro hoje em dia. Lembro que quando era criança, era obrigada a respeitar meus pais, meus professores, meus coleguinhas, os mais velhos. Tinha que respeitar todo mundo, gostando ou não, concordando ou não. Respeito era algo que não havia como fazer uma escolha diferente - era necessário obedecer. Uma vez li que ele não deveria ser imposto e sim conquistado. Concordo, porque neste caso o que era imposto não era o respeito e sim regras. A primeira regra era o respeito às pessoas, gostando delas ou não.
Vivemos num mundo sem regras. Sem respeito pelo próximo. Cada vez que abro as páginas na internet, só leio desgraça. Alguém matou a mulher, estuprou a filha, cometeu racismo com uma criança (o caso da filha de Giovana Ewbank e Bruno Gagliasso um verdadeiro absurdo), chifrou fulana ou ciclano, dirigiu bêbado, um político virou bandido, enfim. Não há mais respeito pela essência humana, pelos sentimentos dos outros, pela família, pelas crianças, pelas mulheres, pelo povo.
As pessoas perderam o senso, a noção da gravidade das suas atitudes, tudo virou vil e banal na terra sem lei que é a internet. Na verdade, a internet é só um reflexo, uma pequena amostra do mundo real.
Tudo isso acontece fora do computador, em números muito maiores, inacreditáveis, eu diria. E por conta das enormes proporções que a falta de regras no mundo tem tomado, banalizou-se as relações humanas. Sejam virtuais ou reais.
Desde aquela fulaninha do seu trabalho que não gosta de você sem motivo e tenta te prejudicar, até crimes atrozes. Tudo virou banal. Ética não existe, e a banalidade das atitudes só varia na proporção em que se apresenta.
Há muito tempo isso tem me incomodado. Respeito é uma palavra que não existe, porque as pessoas não se perdoam mais. Não fazem mais nenhum esforço para se colocar no lugar do outro. Não é ser capacho, é reconhecer sua natureza humana e falha e entender que o perdão é necessário para que as relações sejam amigáveis e ao mesmo tempo, profundas. Seja relacionamento amoroso, de amizade, de coleguismo, familiares, etc. Sem respeito e perdão, a vida torna-se o inferno de Dante.
Banalizou-se a violência, seja física ou moral, para justificar a intolerância de alguns, hoje muitos. Uma coisa alimenta a outra e no final, o respeito míngua à espera de que alguém se lembre da sua existência e se lembre que só ele poderá trazer um pouco de paz às pessoas que ainda se importam com as outras. Só o respeito pelo próximo poderá tornar a vida mais leve.



quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O amor


Amor. Palavra difícil de definir. Amor pode ser de pai, mãe, filho, amigo, irmão, amante. Amor pode ser de vários tipos, formas e intensidades. Mas não vim aqui descrever sobre as várias formas do amor. E sim falar sobre o amor per se.
Amor, pra mim, é você enxergar o outro como ele é, sem falsas criações imaginárias e sem reportá-lo às idéias infantis de contos de fadas. Amor é você entender as limitações do outro e ainda assim respeitá-lo. Amor não é negar defeitos, é compreendê-los. Amor não é idolatrar, é admirar. Amor é aquilo que você sente de bom, mesmo depois de uma discussão e vontade de dizer umas verdades - se é que não as disse. Amor é construído e também, destruído. Só depende de nossas atitudes.
Eu acredito que podemos influenciar no amor com nossas atitudes. Não creio que seja um sentimento incondicional. Pisa que eu gamo.
E por causa disso, acredito que o amor está intimamente ligado ao respeito. Só há amor, se houver respeito. Embora o contrário não seja necessariamente verdadeiro.
Eu percebo que numa relação de vários anos, o respeito tem mais peso do que declarações românticas de amor ou aquele friozinho na barriga do início. Você tem que respeitar o outro como pessoa única que é. Só sob essa condição, você poderá amá-lo.
Respeitar é ter humildade de reconhecer seus erros, é saber até onde você pode ir, até onde vai seu espaço na vida do outro. Respeitar é você calar pra não magoar, embora nem sempre seja possível. 
Para haver amor, é necessário ceder. Acho que por isso hoje em dia seja tão ‘difícil’ amar... As pessoas não cedem mais, não abdicam mais, sequer respeitam mais. É um processo egoísta no qual você não pode se mostrar pro outro, nem aceitar contestações do parceiro, para não ficar vulnerável.
Pelo amor de Deus! Vulnerável a que? Nós não estamos falando de uma epidemia nem estamos frente a um campo inimigo de batalha! Nós estamos falando de construção. De construir algo com alguém que você escolheu para dividir suas manias, suas dores, seus sucessos, seus fracassos, seus desejos, seus sonhos, sua vida.
Deixo claro, pros mais ‘contemporâneos’, que abdicar aqui não tem nada a ver com submissão. Não é pra se submeter unicamente à vontade do seu parceiro(a), por medo de perdê-lo(a), mas falo sim de algumas vezes abdicar de um desejo do seu ‘eu’ em prol de um bem estar do ‘nós’. 
Para se amar alguém, é necessário também se amar e se respeitar primeiro. Se amar, se valorizar como pessoa, como profissional, como ser pensante, como ser emocional (ou qualquer outro ponto de vista cabível) é necessário para que você possa reconhecer essas características no outro. É necessário também conhecer seus limites e seus desejos para só então você poder ver o que pode ser melhorado em você. Não melhorar pro outro, e sim pra si. Você se constrói primeiro. E é dependente dessa construção particular, que você pode escolher pessoas para construir algo com você. E não pra você nem por você. A escolha da preposição é fundamental.
O diálogo é também de extrema importância e deve caminhar lado a lado ao amor. 
É difícil? Putz, é. Principalmente nos dias de hoje onde todos querem se fazer ouvir, mas não querem ouvir o outro. Egoísmo e medo. Gritos. Medo porque nem tudo o que ouvimos nos agrada. Mas acho que se essas ‘críticas’ forem permeadas de respeito, a relação só tende a ganhar e amadurecer.
Voltando à questão do respeito, eu o citei como exemplo, porque vejo que você pode respeitar alguém que você não tenha amizade, nem confiança, nem paciência. Você pode até mesmo respeitar alguém que você não goste! Daí a importância desse valor numa relação a dois onde há amor.
Amar às vezes dói porque amadurecer também dói. Você enxergar seu parceiro como ele realmente é leva tempo e às vezes decepciona. Mas também é gratificante, porque você passa a ver sem máscaras, viver sem lacunas e com muito mais entrega.
Você, a partir do momento que vive um amor verdadeiro, respeitoso, sincero, passa a perceber o outro não como um ser intocável, mas como alguém comum, porém especial. E isso desmistifica o amor, e o torna cada vez mais sólido e seguro. 
Creio que amor seja um pouco disso tudo o que eu falei, e é nesse amor que eu acredito. 
Eu sei que é muito difícil acertar sempre numa relação. Isso leva tempo. E determinação. Mas se você está aberto ao outro, sabe o que quer construir juntos, e tem diálogo, respeito e amor pelo seu parceiro, já é um bom começo para que sua ‘construção’ seja sólida e não desmorone na primeira tempestade.

Daniele Van-Lume Simões  16/11/16


O medo de gente e a infância


Com um mês de nascida, meus pais foram transferidos para Fernando de Noronha – imagine isso 30 e poucos anos atrás - e lá eu vivia sozinha, em meio ao mato, às praias, aos bichos, à natureza. Brincava com eles, aprendia com eles. Era livre.
Por conta da ausência de pessoas durante a minha primeira infância, exceto do meu pai e minha mãe, além da minha querida tia Kátia, eu comecei a ter medo de gente. Sim, fiquei avessa à gente. Quando chegava ao aeroporto em Recife, era um escarcéu. Eu chorava, gritava, quando eu via aquele monte de pessoas juntas, num corre-corre estressante, querendo me pegar, me futucar, me apertar as bochechas. Não entendia nada. Queria ser livre, sair dos braços dos meus pais e brincar em algum quintal espaçoso, de preferência com árvores e bichos, como eu fazia.
Ganhei o apelido de Índia, porque segundo meu tio Jorge, eu devia estar vindo de uma tribo isolada para agir assim, só pode. Meu tio me chama assim até hoje. E acho que ele tem razão.
Continuo com medo de gente, talvez até mais do que tive aos 4 anos de idade.
Conheci muitas pessoas ao longo da vida e, com isso, conheci até onde vai a mentira, a ganância, o ego e a falsidade. Conheci pessoas sem dignidade, sem palavra, sem amor. Pessoas egoístas, frias, loucas até. Pessoas fúteis, nossa que medo!!!
É, meu medo aos 4 anos não foi à toa.
Quem dera encontrar novamente minha tribo. E ser livre como outrora fui.


domingo, 13 de novembro de 2016

O pragmatismo e o tempo


Pragmatismo é uma característica que anda em falta nas pessoas. Gosto de pessoas pragmáticas, diretas, cartesianas. Complexidade só é boa quando dentro de um bom vinho. Fora isso, é pura perda de tempo.
Não sei se por conta da base intelectual cada vez mais deficiente, mas as pessoas estão cada vez mais com dificuldade de se expressar. Falam, falam, falam e não dizem coisa alguma com sentido. Uma reunião tem servido apenas para marcar outra, porque nunca se consegue dizer tudo. Sempre falta algo, inclusive paciência da minha parte. Pessoas prolixas são cansativas, desnecessárias, patéticas. 
Prezo pelo pragmatismo por duas razões: o tempo é precioso e qualquer coisa que me o tome desnecessariamente me aborrece profundamente. A outra razão é que gosto do silêncio. Ah, o silêncio! Este sim é capaz de abrir a mente, relaxar o corpo, aliviar o cansaço e dar paz de espírito.
Só me sinto em paz no silêncio. Direto como deve ser.
Já me falaram que eu era cartesiana, na tentativa de desmerecer uma fala minha durante um debate. Bem, se isso era para soar como um xingamento, para mim foi como um elogio. 
As coisas são mais simples do que parecem. Vemos dificuldade em tudo, olhamos todos e queremos falar sobre todos os detalhes, acrescentamos sempre uma palavra no texto ou na fala para rebuscá-la e para quê? Para torná-los cansativos a ponto de ninguém se importar com o que é dito ou escrito.
Prefiro ser cartesiana, o que não é o mesmo que ser simplória. Você pode ser cartesiano e pragmático, sem ser raso. Basta cortar o que não faz falta na sua ideia central, mas sem cortar sua consistência.
Tive um grande professor/orientador, o Dr Frederico Abath, mais conhecido como Fred, que conseguia resumir duas páginas em um parágrafo. Sem perder o sentido, sem esquecer de citar tudo o que era importante. Pragmático, como ele dizia ser. Até sua vida foi pragmática - breve. Nos deixou aos 50 anos. Mas mesmo com toda brevidade, ele deixou aos seus alunos um legado imenso, tanto da ciência quanto de ensinamentos para a vida.
Então, meus queridos, quando forem realizar uma fala, façam um favor a todos e sejam breves, cartesianos e pragmáticos - mas nunca rasos. Estudem e treinem para alcançar o pragmatismo, não é fácil, mas é possível.
Porque até pode soar bonito uma fala rebuscada e longa, como um "excesso de sabedoria" para os ignorantes e bajuladores, mas a sua vida pode ser tão pragmática que talvez nem consiga terminar a última frase. Time is gold.

Daniele Van-Lume Simões  13/11/2016





sábado, 12 de novembro de 2016

O nome do blog e a realidade


Alguns já me perguntaram por que o nome do blog. Ou se perguntaram por que este nome esdrúxulo mas sem coragem de me falar.
Pois bem, para os que respondi "porque são duas coisas fortes (o café e a pimenta)", acabou-se o mistério.
Amo café, amo pimenta e vi uma vez uma receita de um café que levava pimenta tabasco. Pensei: Uau, deve ser forte isso!
Mas que nada! Já dizia Jorge Ben.
Forte é o leão que temos que matar todos os dias para viver. Forte é o trânsito, a desigualdade social, o apelo capitalista. Forte é a corrupção e a certeza de impunidade - aliás, isso é imoral. Forte é enfrentar pessoas que não conhecemos direito no trabalho, na fila do banco ou mercado, na vida, sem saber o que nos espera.
Forte é ter que ser filha, esposa, profissional bem-sucedida, vaidosa, em forma, contar calorias e ainda ser feliz com tanta cobrança.
Forte é o que você tem que ser quando está longe da família. Saudade é foda. Mas tem que ser forte!
Forte é pegar uma gripe e ter uma reunião inadiável... Haha força, minha amiga!
Forte é a chuva do inverno, que alaga tudo, ou ainda a seca de setembro em Brasília. Putz que Paris Hilton! Como essa última é forte! Ninguém realmente merece.
Forte é ter que lutar pelo que quer e engolir pessoas que não gostam de você sem motivo - pelo menos, conhecido. E sendo forte. Sorrindo.
Forte é cuidar de tudo e ainda ter disposição para cuidar da alma.
Forte é a ruga que apareceu, e nunca mais sairá - a menos que vá pro bisturi. Ou ainda o esquecimento devido ao estresse. Putz, onde que eu tava mesmo?
Ah, já sei, o nome do blog.
Diante de tantas coisas que passamos na vida e enfrentamos todos os dias, só posso concluir que "Café com pimenta é refresco"!!!



O que sou hoje e a minha mãe


Esta não é uma crônica para expor traumas ou problemas, muito menos enveredar por uma veia Freudiana, embora o título sugira isso. Não vou complicar: toda família tem defeitos e estes não devem ser expostos a quem não conhecemos ou não confiamos.
Mas vim falar um pouco da minha mãe. Ou melhor da educação que ela me deu.
Sou filha única, mas ao contrário do que pensam sobre os filhos únicos serem mimados e insensíveis, não me tornei este monstro.
Tive uma educação rígida, sim MUITO rígida. Se tirasse nota 8 no colégio, ficava de castigo uma semana sem TV (porque, graças a Deus, minha infância não foi virtual). Sim, eu disse 8. Uma semana e não apenas 5 minutos como prega a SuperNanny...
Tinha que arrumar minha própria cama desde os 8 anos de idade e fazer meu café da manhã desde os 10. Varria a casa todo dia, mesmo sendo alérgica e asmática. Havia regras e que não podiam ser quebradas. Estudava 10h por dia, contando 4 em casa de manhã, 5 no colégio e mais uma à noite, para deixar a lição pronta.
Tinha hora de comer, hora de acordar - nunca depois das 8 da manhã - hora do banho e hora de dormir (que essa eu desrespeitava de vez em quando lendo gibis durante a madrugada com uma luz fraquinha que entrava pela janela do meu quarto - prazer, 4 graus de miopia!).
Minha mãe sempre foi rígida. Tinha que escolher entre comer e apanhar. Sim, eram chineladas e doíam na alma, porque nunca achei que as merecesse - mas talvez fosse necessário. Escolhia entre obedecer ou engolir o choro - depois das chineladas. Chinelo tamanho 36, lembro até hoje. Não tinha meio termo. Era a forma que ela encontrou de me educar e é claro que isso gerou alguns traumas. Minha adolescência adoraria esquecer, mas vamos pular essa parte. Afinal, não é sobre traumas esse texto.
Apesar de toda rigidez, hoje, com meus 33 anos, eu sou grata a ela. Por incrível que pareça e por mais complicada que seja nossa relação, segundo as análises Freudianas. Mas sou grata e vou dizer o porquê.
Hoje eu sou uma excelente dona de casa, uma profissional responsável, uma mulher de verdade.
Tive que lutar pela minha liberdade, inclusive de expressão, e isso me tornou forte. Minha mãe nunca foi fácil de ser convencida.
Estudei muito, mestrado, doutorado e mais alguns cursos... Sou funcionária pública federal, como sempre sonhei. Valeu a pena ela não aceitar um 8 no boletim.
Sou uma dona de casa de verdade, minha casa é limpa, um brinco, cozinho muito bem e gosto disso. Mesmo com asma e alergia até hoje. Só não sei fazer a cama - acho que rolou um trauma aí... Rs
Tenho valores como fidelidade nas relações e honestidade nos sentimentos - se uma coisa que não posso me queixar da minha mãe é que ela não demonstra o que sente. Pelo contrário, demonstra até demais e paga um alto preço por isso. Tudo na vida requer equilíbrio. Até com os exageros dela, aprendi alguma lição.
Enfim, hoje eu posso dizer que apesar de tudo, sou grata à educação que ela me deu, pois me tornou uma mulher melhor e que luta e sabe o que quer. Uma mulher doce e ao mesmo tempo forte.
Hoje, minhas experiências rígidas me fizeram ter disciplina, respeito pelo próximo e consciência das minhas obrigações e responsabilidades. Hoje eu agradeço a minha mãe por eu não ser uma dondoca alienada e fútil, como imaginam que todas as filhas únicas são. Aqui vai o meu muito obrigada, mãe.

Daniele Van-Lume Simões  12/11/16

PS: Pai, vou escrever sobre o senhor, se prepare. Rs ;)



A doação e a medicina


Hoje vim falar de um tema que deveria ser óbvio, mas não é. A doação e a medicina. Essa é uma profissão que admiro muito, mesmo que hoje seja bastante mercantilista. Bons médicos custam caro. Não há problema nisso, mas vejo que muito se perdeu do que deveria de fato ser a medicina - a doação. Hipócrates ensinou e juramentou isso.
A doação deveria ocorrer em todas as profissões, realizar seu ofício com amor, doando seu tempo e suas sabedoria para melhorar a vida de alguém. Claro, por um preço justo porque precisamos desse papel chamado dinheiro para viver e realizar nossos sonhos.
Doação também pode ser financeira, quando você ajuda uma entidade, uma ong, um projeto social - e isso independente de profissão.
Você deve estar se perguntando por que eu fugi do tema. Não, eu não fugi. Tudo isso é só para dizer que me emociona a doação dos Médicos Sem Fronteiras. Trabalhar num hospital de luxo é fácil, com todos os equipamentos necessários e medicamentos disponíveis.
Trabalhar sob condições limítrofes entre a capacidade de ajudar e a impotência devido às desigualdades sociais, vendo a miséria de perto, mas vendo também a gratidão - mesmo com a dificuldade do idioma - é louvável. A linguagem da generosidade, bem como a do amor, é universal.
Admiro demais esses médicos. Aliás, não só os médicos, os enfermeiros, biomédicos, fisioterapeutas, auxiliares e técnicos, enfim, todos os profissionais envolvidos nesse belíssimo projeto que é salvar vidas.
Quase ninguém sabe, mas quando terminei o doutorado, cheguei a me inscrever no site do Médico Sem Fronteiras para servir à população carente. Quando liguei para coletar informações, não informaram absolutamente nada sobre salário porque eles disseram que quem escolhe estar lá não pode ser por conta do salário e sim por vocação. Foi um tapa de realidade na minha cara. E uma lição aprendida.
Após esse dia, passei a respeitar mais ainda esse projeto e digo que por mais alto que seja o salário, ainda é pouco por toda doação desses profissionais.
Mas o que mais me emociona nisso tudo é que o maior reconhecimento de quem ajuda quem precisa, não é o valor que entra na conta bancária, é o sorriso de gratidão de alguém que te vê como a única e talvez última esperança.
Minha vida seguiu outro caminho, não entrei no Médicos Sem Fronteiras, mas servi e sirvo à Saúde Pública do meu país. Hoje estou no Ministério da Saúde, participando de decisões importantes, mas não menos importantes quanto a época que eu trabalhava numa policlínica e maternidade no bairro mais violento de Recife. 
Não menos importantes quando eu precisava me virar nos 30 para dar um laudo com equipamentos obsoletos ou pior, quebrados. Fazia tudo ali, manualmente, graças à base técnica que tive.
Doei meu tempo, doei minhas noites de sono em plantões noturnos sem estrutura sequer para cochilar com tranquilidade - o medo de assaltos era constante. Doei minha saúde trabalhando numa cadeira torta por quase quatro anos. Doei meu conhecimento da forma mais humilde possível, pois diante daquele problema social todo, isso era muito pequeno.
Enfim, longe de querer me comparar aos perrengues dos profissionais do Médicos Sem Fronteiras, mas tudo na vida exige doação. Em graus diferentes, mas exigem. E essa doação sempre será diretamente proporcional à sua generosidade.
Viva um momento assim na sua vida, por menor que seja o tempo dessa experiência, garanto que valerá a pena e nunca mais você verá a vida com os mesmos olhos cegos pelo capitalismo e imunes à desigualdade de antes.

Daniele Van-Lume Simões 12/11/16



terça-feira, 8 de novembro de 2016

A doçura e a acidez


Acho que falta doçura. Na vida, nas relações, no trabalho. Não aquela doçura enjoativa, babona, medíocre, mas aquela doçura meiga, educada, serena. Não me considero o poço da doçura, me considero uma pessoa ácida. Que se corrói intensamente quando externaliza opinião diante de algo que não concorda. Mas claro que nem sempre estou certa, opinião sobre algo é apenas opinião, embora muitos levem para o lado pessoal da coisa e passem a não gostar disso. 
Mas essa acidez toda nem sempre é algo bom. Aliás, se todos fossem verdadeiramente transparentes, ninguém se cumprimentaria. Garanto. No entanto, ser doce é melhor. Dói menos. Decepciona menos. Desgasta menos. Deixa as coisas mais leves.
Ser doce te faz popular, não te exclui. Ser doce te faz ter muito amigos, embora quando você precisar, você só poderá contar com pouquíssimos deles. É a realidade meu querido– e às vezes, é amarga.
Procuro doçura nas pessoas, nas relações, nos momentos, mas o que vejo são pessoas vazias, fúteis e muitas vezes, falsas. Talvez eu esteja procurando no lugar errado. Talvez tenha que procurar a doçura em mim, não nos outros. Eu tento, juro que tento. Mas quando tudo parece conspirar contra, esquece-se a doçura, a meiguice e vem à tona a acidez. Aquela acidez das entranhas, visceral, legítima. A "acidez reacional". Acabei de inventar isso. 
No fundo, cada um tem sua personalidade, mas devemos buscar o que for melhor para si e para os que nos cercam, dosar os sabores para não enjoarmos de nós mesmos ou nos envenenarmos de vez. Vivemos em sociedade. Precisamos das pessoas, por mais que o orgulho não permita admitir. Acidez é bom, em doses certas, pois é vital, está inclusive no pH vaginal – canal que dá a vida. Mas a doçura é igualmente importante.
A doçura é necessária para sobrepor sentimentos difíceis, aquele sentimento que corrói o estômago ou a alma, o rancor. Procure sempre esta pitada de doçura. Dose sua acidez e suas palavras. E tente fazer da vida um belo e colorido algodão doce, de sabor limão. Equilíbrio. Quem sabe não consigo?

Daniele Van-Lume Simões 08/11/16


A cobrança e a ressaca


Outro dia escutei de alguém que eu me cobro muito. ‘Não se cobre tanto’, dizia a mensagem. É verdade. Cobro-me demais, o tempo todo, desde pequena. Cobro-me ser magra, ser eloquente, ser ética, falar honestamente sobre sentimentos, dar explicações para que não haja mal entendidos, me cobro não errar. Ah, como me cobro este último! Putz, quantas noites e noites de sono porque houve a possibilidade de alguém entender errado o que eu disse.
Mas, depois dessa mensagem, mudei de ideia. Acho que devemos nos permitir errar. Não errar intencionalmente, devemos evitar fazê-lo, claro, mas se errar, está feito. Então... Curta sua ressaca. Ser certinha o tempo todo é desgastante. Permitir-se uma ressaca, seja ela alcoólica ou moral, uma vez na vida, é um aprendizado, eu diria até mesmo, salutar. 
Permitir-se ressacas faz você enxergar seus limites, saber o que e quem te faz bem e até onde ir, seja na quantidade de copos ou de atitudes. Você precisa de pelo menos uma ressaca na vida para saber seu limite físico e/ou moral. Faz você perceber a hora de cair fora, seja da festa ou da vida de alguém.
Conversando com uma amiga sobre minha mania de ser sempre certinha nas palavras e atitudes, cheguei à conclusão que ressaca é algo natural, literalmente falando. Vem da natureza. Vem das águas. Olha o mar, aquele tamanho todo, se permite ressacas de vez em quando, tsunamis, mudanças, devastadoras, mas mudanças. Varre tudo, liga o foda-se, salve-se quem puder – e sempre há sobreviventes. Somos 70% de água, ou um pouco mais. Se somos a maioria de água, por que não uma ressaca de vez em quando, sem tanta culpa assim? Seja alcoólica ou moral, ou ambas? Imagina só a calmaria que vem depois, após alguns engovs! E olha, você irá sobreviver. Isso pode trazer uma grande e devastadora mudança. De ressacas e tsunamis é que amadurecemos, escolhemos nossos caminhos, selecionamos nossas companhias. Aprendemos as maiores lições de convivência e sobrevivência. Permita-se uma ressaca, seja ela de qual espécie for. Pelo menos uma vez. A vida é curta. Como diria uma amiga minha: ‘Não se cobre tanto’. Mas sem esquecer que, após a ressaca, a calmaria sempre vem, independente de quantas doses de álcool ou de verdades você engoliu.

Daniele (setembro de 2013, adaptado em 08 de novembro de 2016)



A crônica e a liberdade


Se eu pudesse definir o que sou, não conseguiria dizer outra coisa que não fosse escritora. Todos os outros adjetivos eu aprendi a ser, sejam bons ou ruins – vieram de experiências pessoais ou estudos na área, com diplomas e títulos. Mas ser escritora não. Escritora amadora, mas escritora. Nasci escritora. Até o nome ‘amadora’, embora lembre algo principiante, ou ainda, sinônimo de que é algo feito por lazer, me soa agradável. Mas é isso mesmo. 
Escrevo por lazer, de acordo com as experiências que acumulo, que vivencio ou simplesmente observo. Escrevo por nada ou por algum motivo especial. Escrevo. Então acredito que sempre serei principiante, pois há um mundo inteiro a ser descoberto e escrito - e sempre haverá. 
Não tenho medo de errar quando escrevo. Sou humana. Mas não estou falando de regras de português apenas – falo de opiniões, ideias, às vezes tão firmemente defendidas, e outras desconstruídas com o passar dos anos e com a chegada da maturidade. Mas sempre escrevo com paixão e por amor. 
Amor às palavras, tão profundas, tão lindamente articuladas numa frase. Palavras intensas – apaixonadas – para expressar uma ideia. Amor às palavras fortes, e até mesmo grosseiras, mas vivas! Amor à mágica da conotação, das metáforas – ou quando quero ser direta – da denotação. Amor às conjunções que explicam melhor o que queremos dizer, que conectam as palavras e os sentimentos do leitor e do escritor ou até mesmo do ouvinte. 
Ah, e o sujeito indefinido, ou ainda, o oculto, que você diz, sem dizer quem disse, claramente? Quantas vezes na vida não agimos indefinidamente, ocultamente – sendo que neste último suspeitam de nós? Seja para preservar alguém ou a si próprio? 
O que dizer dos verbos omitidos numa sentença por uma única vírgula. Vírgula que diz pausa. Pausa para pensar – ou neste caso – pausa para agir. Há os verbos sem sujeitos. E os meus preferidos, os verbos intransitivos. Eles, simplesmente, são. Fazem acontecer. Não dependem de ninguém para terem sentido. Amar deveria ser assim, já dizia o poeta Mário de Andrade. Completamente intransitivo e sem dúvidas do que significa. Ame. Viva. Brinque. Durma. Relaxe. 
Brincar com as palavras é algo enriquecedor. Lê-las e se emocionar verdadeiramente é algo sublime, íntimo. Hoje, nos tempos modernos, tudo é expresso. Rápido. As palavras foram erradamente abreviadas, violentadas, engolidas. Blz, Tb, Vlw.  Enfiadas em 140 caracteres, com abreviações estapafúrdias. Mas o encanto pode ser recuperado, basta deixar a imaginação fluir e os dedos trabalharem junto à mente e principalmente, ao coração. Deixar os intransitivos aflorarem, as conjunções conectarem (com perdão da redundância) e o que estiver oculto, vir à tona, sem medo do que ou de quem vai aparecer. 
Escrever é desnudar-se sem dó, sem amarras, sem correntes com o que não pode ser dito. Escrever o que se sente e o que se pensa é um ato de coragem. Escritores são corajosos. Dão a cara à tapa e não estão nem aí com o tamanho da surra. Só querem se expressar. Os seres humanos já são, por necessidade ou não, tão dissimulados ao longo da vida, então não se permita ser também no papel. Nele, você encontra a liberdade. A verdadeira liberdade. Honre o que você escreve. Escreva você. Não tenha medo de si próprio. Desnude-se. Seja intransitivo. Seja livre.


Daniele Van-Lume Simões 08 de novembro de 2016


domingo, 6 de novembro de 2016

O gênero e a idade

A mulher tem duas idades: a cronológica e a que é dita.
Os homens também tem duas idades: a cronológica e a mental.



A decisão e os filhos


Muitas amigas minhas já tem filhos. Um não, dois ou até mesmo três. Aquele casamento de conto de fadas, que sonhamos aos 6 anos de idade: Príncipe, vestido bufante, muitas flores, e a certeza que tudo será perfeito, com muito filhos, de preferência o primogênito homem.
Mas a realidade é muito diferente. Algumas não conseguem engravidar e sofrem por isso, outras estão grávidas e sofrem por isso porque não tinham planejado esse momento tão cedo. Já outras - como eu - decidem por ora não ter. Hoje escolho não ter.
Egoísmo, falta de sensibilidade, medo, covardia, deem o nome que quiserem. Eu chamo de direito de escolha. De saber o que se encaixa na minha vida neste momento, o que planejo viver, ou simplesmente ter o direito de decidir sobre o meu corpo, sem ninguém me aporrinhando por causa da idade fatídica - 35 anos.
Hoje eu escolhi não ter filhos porque não me vejo presa a um serzinho totalmente dependente de mim na rotina que levo. Hoje eu não me vejo presa em casa, limpando coco e acordando no meio da noite para alimenta-lo. Não me vejo sem liberdade de ir e vir, de acordar na hora que quiser, de comer qualquer porcaria na geladeira e tomar meu vinho na hora que quiser, sem me preocupar se o álcool vai passar pro leite. Não me vejo com tanta responsabilidade vitalícia, porque mesmo depois de grandes, os filhos continuam ali, exigindo cuidados maiores do que quando pequenos.
Sei que se um dia acontecer de engravidar, será  o maior amor que terei conhecido na vida. Sei que se isso acontecer, todo esse meu discurso acima será desconstruído e derretido por um sorriso inocente ou pela primeira palavra dita pelo meu filhote. Sei que me coração é de manteiga, mas com uma casca dura. É, talvez tenha um pouco de medo também.
Mas não, hoje não é minha escolha. Ser mãe nunca foi minha prioridade, ao contrário de todas as minhas amigas e primas e colegas de trabalho.
Sou acostumada à solidão e não tenho medo dela, ela me conforta e me acalma.
Um dia, essa prioridade pode ser mudada e o desejo de ter um filho pode vir à tona de uma forma explosiva, visceral, invasora como um tsunami na minha mente e no meu sentimento, mudando todas as minhas prioridades.
Mas minha mente anda curtindo a brisa calma do silêncio e da reflexão. Minha mente faz as escolhas e eu apenas aceito porque somos uma coisa só.
Muitos vão me julgar por esse texto, achando que não gosto de crianças. Pelo contrário, eu as amo. Amo conversar com elas e ganho meu dia quando elas abrem um sorriso pra mim. Amo a inocência e a curiosidade delas, amo a energia de ter uma criança por perto, porque me lembra Deus - uma criaturinha tão pequena e perfeita só pode ser obra DELE.
Mas assumir a responsabilidade de educar e cuidar de uma criança, ainda, não faz parte das minhas escolhas. Vejo muita mãe só de nome, mas que não estão nem aí para suas filhas ou filhos. Que deixam as crianças vestirem qualquer coisa, comerem qualquer porcaria, enquanto compram roupas de marca e bikes importadas. Isso é ser monstro, não mãe.
Preciso pensar nisso antes de decidir gerar um filho e ter muito claro que diversas vezes vou falhar e que será o pior fracasso da minha vida se isso acontecer. Afinal, pais e mães são super-heróis.
Mas minhas escolhas é que me farão verdadeiramente feliz, não número de filhos pendurados na barra do meu vestido. Mas se houver algum, terá todo o meu amor e cuidado.
E claro, como tudo na vida... Nada é estático. Escolhas mudam, mas no tempo certo, no amadurecimento certo. Ou permanecem como estão. Vamos ver.
E não há problema nenhum nisso, pois se trata da minha vida - e não da sua. E da minha vida e das minhas escolhas não há ninguém no mundo que mais saiba sobre isso do que eu mesma. Ou que busca saber para tomar a decisão certa. No tempo certo. Seja ela qual for.

Daniele Van-Lume Simões 06/11/16