Hoje vim falar de um tema que
deveria ser óbvio, mas não é. A doação e a medicina. Essa é uma profissão que
admiro muito, mesmo que hoje seja bastante mercantilista. Bons médicos custam
caro. Não há problema nisso, mas vejo que muito se perdeu do que deveria de
fato ser a medicina - a doação. Hipócrates ensinou e juramentou isso.
A doação deveria ocorrer em
todas as profissões, realizar seu ofício com amor, doando seu tempo e suas
sabedoria para melhorar a vida de alguém. Claro, por um preço justo porque
precisamos desse papel chamado dinheiro para viver e realizar nossos sonhos.
Doação também pode ser
financeira, quando você ajuda uma entidade, uma ong, um projeto social - e isso
independente de profissão.
Você deve estar se perguntando
por que eu fugi do tema. Não, eu não fugi. Tudo isso é só para dizer que me
emociona a doação dos Médicos Sem Fronteiras. Trabalhar num hospital de luxo é
fácil, com todos os equipamentos necessários e medicamentos disponíveis.
Trabalhar sob condições
limítrofes entre a capacidade de ajudar e a impotência devido às
desigualdades sociais, vendo a miséria de perto, mas vendo também a gratidão -
mesmo com a dificuldade do idioma - é louvável. A linguagem da generosidade,
bem como a do amor, é universal.
Admiro demais esses médicos.
Aliás, não só os médicos, os enfermeiros, biomédicos, fisioterapeutas, auxiliares
e técnicos, enfim, todos os profissionais envolvidos nesse belíssimo projeto
que é salvar vidas.
Quase ninguém sabe, mas quando
terminei o doutorado, cheguei a me inscrever no site do Médico Sem Fronteiras
para servir à população carente. Quando liguei para coletar informações, não
informaram absolutamente nada sobre salário porque eles disseram que quem
escolhe estar lá não pode ser por conta do salário e sim por vocação. Foi um
tapa de realidade na minha cara. E uma lição aprendida.
Após esse dia, passei a
respeitar mais ainda esse projeto e digo que por mais alto que seja o salário,
ainda é pouco por toda doação desses profissionais.
Mas o que mais me emociona
nisso tudo é que o maior reconhecimento de quem ajuda quem precisa, não é o
valor que entra na conta bancária, é o sorriso de gratidão de alguém que te vê
como a única e talvez última esperança.
Minha vida seguiu outro
caminho, não entrei no Médicos Sem Fronteiras, mas servi e sirvo à Saúde
Pública do meu país. Hoje estou no Ministério da Saúde, participando de
decisões importantes, mas não menos importantes quanto a época que eu
trabalhava numa policlínica e maternidade no bairro mais violento de Recife.
Não menos importantes quando eu
precisava me virar nos 30 para dar um laudo com equipamentos obsoletos ou pior,
quebrados. Fazia tudo ali, manualmente, graças à base técnica que tive.
Doei meu tempo, doei minhas
noites de sono em plantões noturnos sem estrutura sequer para cochilar com
tranquilidade - o medo de assaltos era constante. Doei minha saúde trabalhando
numa cadeira torta por quase quatro anos. Doei meu conhecimento da forma mais
humilde possível, pois diante daquele problema social todo, isso era muito
pequeno.
Enfim, longe de querer me
comparar aos perrengues dos profissionais do Médicos Sem Fronteiras, mas tudo
na vida exige doação. Em graus diferentes, mas exigem. E essa doação sempre
será diretamente proporcional à sua generosidade.
Viva um momento assim na sua
vida, por menor que seja o tempo dessa experiência, garanto que valerá a pena e
nunca mais você verá a vida com os mesmos olhos cegos pelo capitalismo e imunes
à desigualdade de antes.
Daniele Van-Lume Simões 12/11/16
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