Dia desses vi uma reportagem na
internet que me chocou um pouco. Aliás, choque nunca é pouco. Fiquei chocada
mesmo. Alguns pais criam seus filhos como sem gênero. Isso mesmo, sem gênero.
Os filhos não sabem se é menino ou menina. Eles vestem seus filhos com roupas
neutras, cortam os cabelos de forma neutra, colocam nomes neutros, sequer
informam aos seus filhos sobre seu gênero, nem seus familiares, tudo isso
alegando que a criança tem que escolher o que ela quer ser. Oi? Como ela poderá
escolher o que quer ser se ela sequer conhece as opções? Pra mim, surreal, e
olhe que nem sou tão careta assim.
Uma criança pequena, que não
sabe seu gênero, certamente não desenvolverá sua identidade com segurança. E
com tantas definições – e alguns modismos - que vivem surgindo por aí a
respeito de gêneros, e as pessoas estão confundindo gênero com sexualidade. Uma
coisa nada tem a ver com a outra. Gênero é como você se vê, se entende e se
sente bem e realizado. Sexualidade é o que você deseja para se relacionar – e
isso nada tem a ver se você usa calças ou vestido.
Fui criada à moda antiga, e
quem nasceu na década de 80, sabe que a criação só era considerada respeitosa
na maioria das vezes, se fosse preconceituosa. Embora eu seja do gênero
feminino, me enxergue como mulher e seja heterossexual (ou seja, dentro dos
padrões de “normalidade” dos anos que fui criada), não tenho absolutamente nada
contra quem não segue esse padrão, independente da década que tenha nascido.
Pelo contrário, quero mais que as pessoas sejam felizes, como queiram ser –
homem ou mulher, gay, hetero, trans, bi, assexuado, andrógino – que seja, mas
sejam felizes, pois o mundo já está cheio de rancor e gente mal resolvida.
Quero mais é que as pessoas sejam felizes com o gênero e a orientação sexual
que escolheram. Mas capacidade de escolha exige responsabilidade e maturidade,
para que realmente a pessoa se sinta feliz com o que se é.
Mas para mim, criar uma criança
neutra, é negar a essência dela, é deixa-la confusa a respeito de si mesma,
sobre o que ela é e isso pode causar danos graves no futuro, como por exemplo,
insegurança de se assumir caso resolva mudar, pois não saberá sequer em que
mudar. Poderá causar, inclusive, muito mais dúvidas do que certezas – inclusive
sexuais. E toda dúvida gera sofrimento, até que se tenha a resposta.
Nunca faria isso com um filho ou filha meus. Jamais tiraria o
direito de eles reconhecerem a própria identidade, mesmo que biológica, pois é
a partir dela, que valores, desejos e ideais são formados, avaliados, mudados,
transgredidos. Menino é menino e menina é menina – e devem ser identificados como
tal - até que eles tenham maturidade suficiente de querer mudar de gênero ou
permanecer nele – independente de orientação sexual.
Desejo sexual, a meu ver, não será definido com
mais clareza em uma criação amorfa, neutra. Isso é contra a natureza, contra os
instintos, contra a vida. Yin e Yang, positivo e negativo, óvulo e
espermatozoide, fogo e água, terra e ar, céu e inferno, mais que contrários,
são complementares, e importantes na mesma proporção – o que não impede que
você transite entre um e outro, se for de sua vontade ou siga os padrões que
você foi criado. Criar uma neutralidade “absoluta” enquanto uma criança está em
formação é negá-la em sua própria existência. É reduzi-la a algo sem definição.
O mais contraditório disso tudo é que a mãe de uma
dessas crianças usa cabelo comprido e batom vermelho, mesmo dizendo que procura
viver sem rótulos e por isso não rotula o/a filho/filha. Mas ela mesma se
rotula. E isso não é ruim, pelo contrário. Não sei qual o problema de rótulos.
Até refrigerante tem rótulo.
Rótulo é apenas um nome vulgar de uma definição
de si mesmo, sobre sua essência, e que é mostrado às pessoas de forma objetiva
e às vezes superficial, mas é você. Entenda, o rótulo tem que ser dado por você
mesmo. Algumas sabem ler os rótulos corretamente, outras não conseguem
interpretá-lo e compreendê-lo – daí os preconceitos, mas ele está ali,
definindo quem se é e no que se acredita, definindo seus ingredientes.
No entanto, quando se trata de uma criança em
formação, uma criança pequena, é necessário que esse rótulo seja dado pelos
pais, para que ela tenha capacidade de desenvolver sua própria identidade, de
se sentir segura em seu corpo e de escrever seus “ingredientes” ao longo de sua
vida. E se o rótulo dado por eles não for o mais apropriado quando o indivíduo
tiver consciência do que se é e do que quer ser, nada impede de muda-lo, de
reescrevê-lo. Até mesmo de rasgá-lo e viver na neutralidade, mas somente se for
de sua própria escolha.
Daniele Van-Lume Simões 20/10/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário