domingo, 12 de março de 2017

As aparências enganam


Neste fim de semana, participei junto com meu esposo de um treinamento com um coach para desenvolvimento pessoal e profissional. Foram três dias convivendo com 150 pessoas desconhecidas, a grande maioria da iniciativa privada. Minha experiência neste mercado foi breve, de menos de um ano e saí de lá ouvindo que não tinha o perfil, já que desde a faculdade trabalhei no serviço público. Mesmo assim, aceitei o convite do meu esposo e fui.
Fui, meio receosa de não me encaixar, de me sentir um peixe fora d'água, já que a maioria das pessoas não tinham o mesmo perfil profissional que o meu. Fui, achando que iria encontrar moças vestidas de tailleur e rapazes de terno, todos muito seguros de si e do seu propósito, com falas eloquentes, no tom e alturas certos e eu acabaria ficando em desvantagem, metendo o bedelho num terreno que não é o meu. Mas não. Surpresa! A vida tem dessas coisas...


Foi um final de semana intenso, de muitas observações. De fato, quase não participei. Não me sinto à vontade com palestras ministradas em tom de pregação, nem de coreografias e dinâmicas em grupo que eu enxergo mais como um mico do que como interação interpessoal, mas observei muitas pessoas, suas reações e a mim mesma.
Vi pessoas abrindo sua vida pessoal, citando fatos traumatizantes de sua infância e/ou adolescência para 150 desconhecidos. Fatos que até Freud se revirou na tumba. Vi pessoas chorando horrores, mulheres mais velhas, homens de cabelos brancos, vulneráveis como uma criança com medo de escuro. Vi gente abrindo o coração e desabafando tudo o que não desabafou a vida inteira. Vi gente se emocionando, gritando, dançando, quase um transe. Vi gente pedindo a benção do palestrante como se fosse um Deus, seja pro matrimônio, seja pros negócios, seja para a família. Gente que precisava urgentemente de alguma aprovação.
Vi tanta coisa que me fez concluir que o grande mal que afeta a humanidade é um só: a culpa. Não importa o motivo, o fato ou a escolha, tudo o que foi relatado culminava na culpa.
Culpa de não ser um bom marido ou esposa. Culpa de negligenciar os filhos ou os pais. Culpa de sentir preguiça, desânimo, cansaço. Culpa de ter perdido a fé em si mesmo, em Deus e na humanidade. Culpa de não se achar bom o suficiente porque te culparam a vida inteira por isso. Culpa de ser bonita, de ser nova, de ser velha. Culpa de não querer ter filhos. Culpa de não poder ter filhos. Culpa de ser mulher. Culpa, culpa, culpa. 
O motivo era o que menos importava. Todos se sentiam culpados de algo. E eu senti até um pouco de culpa de ficar ali, espreitando o comportamento das pessoas, analisando os outros, em vez de olhar somente para mim mesma. Me senti uma fofoqueira em silêncio, observando tudo o que acontecia, comentando mentalmente cada situação, meio que em choque, meio que com curiosidade, mas com profunda compaixão.
No entanto, observar é uma forma de aprender e refletir. Vi que todas as vezes que fui infeliz, eu tive culpa ou senti culpa em algum momento. Hoje, sei lidar melhor com isso. São poucas coisas que me fazem sentir culpa. Aprendi a me perdoar quando minhas cobranças extrapolam meus resultados. Aprendi que não posso sentir culpa se algo não sai como quero. Aprendi que erro e vou errar sempre porque não consigo ser dissimulada e tampouco perfeita. Aprendi que a vida é dinâmica e não depende só das minhas escolhas. E eu não tenho culpa das escolhas dos outros. E por ter aprendido tudo isso ao longo de pouco mais de três décadas de vida, é que fiquei quietinha na minha, olhando tudo o que acontecia a minha volta. Aprendi que ouvir é melhor do que falar. E hoje foi a prova disto.
Hoje, vi um monte de gente bem vestida, com cara de pessoas de sucesso, sentindo culpa e se expondo sem filtros. Vi quanta carência existe no mundo de hoje, mesmo com a velocidade absurda de informações e conexões que são feitas. Quanto mais amigos virtuais, maior é a solidão e futilidade. Vi que as pessoas, muitas vezes, estavam ali para se sentirem acolhidas, ganharem um abraço ou uma palavra de incentivo e principalmente a aprovação. Do palestrante, dos colegas, de si mesmos. Vi que as aparências enganam, e como enganam. E eu, que achei que não teria cacife para participar de um encontro assim, revi minha opinião.
Eu, funcionária pública por profissão, escritora por vocação e amante de vinhos por paixão, vi ali tanta energia sendo liberada com choro, reza e vela – e ainda assim, eu mantinha meu equilíbrio. Mas eu não estava insensível aos depoimentos, eu estava apenas observando o comportamento de todos que me cercavam - inclusive do palestrante. Eu estava aprendendo numa espécie de laboratório da vida real sobre comportamento humano.
A maturidade, quando vai chegando, te faz mais observadora do que faladora. A maturidade te faz mais tranquila e reservada. Fui para um treinamento, achando que encontraria uma coisa e vivenciei outra: um show business misturado com o show da fé, que demorei para processar e aceitar essa experiência como válida.
Mas como tudo na vida é um aprendizado, hoje aprendi que sou mais centrada do que imaginei, mais equilibrada do que achei, mais forte do que senti que fosse. Hoje vi que meu caminho está bem trilhado e que sim, eu tenho sonhos, muitos deles e que já realizei vários. Tenho também muitas realizações a serem alcançadas, mas sei que estou no caminho que deveria estar hoje. Nem um passo atrás nem a frente. Tá, vai, uns dois passinhos a frente não fazem mal a ninguém.
Hoje me senti sortuda por estar enxergando tudo isso, enquanto a maioria das pessoas estava só vendo o óbvio: a sua dor e a sua culpa. Já me livrei das minhas a um bom tempo. Se eu ainda sentia alguma culpa sobre alguma coisa, vi hoje o quanto ela é insignificante diante de tanta escassez de equilíbrio, de repressão de emoções, de dificuldade de gerir sentimentos e relacionamentos e da falta de ânimo e fé que estão atropelando as pessoas como um carro desgovernado.


Bem-vindo ao "cyber networking world" de aparências construídas sem sustentação, valores e objetivos reais. É este mundo que está nos consumindo todos os dias e influenciando as pessoas de uma forma negativa e cruel. Hoje, o mundo de muita gente ruiu. Ainda bem. Nunca será tarde para desconstruir e reconstruir o futuro de uma forma digna.
Tudo isso serviu para eu refletir e enxergar que eu sou mais realizada do que imaginava ser e que a vida tem um sentido. E que se você não observar atentamente o que ocorre a sua volta e principalmente dentro de você, se você não souber quem você é e o que quer para a sua vida, a ferocidade do mundo vem e te engole sem sequer engasgar. 


Daniele Van-Lume Simões     12 de março de 2017




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