quarta-feira, 29 de março de 2017

A independência culinária


Já se foi o tempo que cozinhar era tarefa exclusiva de donas-de-casa. O que era visto como uma sub tarefa, uma obrigação exclusiva de mulheres que não trabalhavam fora, hoje é visto como uma necessidade do mundo moderno. Mais ainda, como um grito de independência.
A vida moderna nos trouxe facilidades como micro-ondas, comida (comida?!) semi-pronta, congelada, ultra processada, ultra desidratada, ultra misturada com um monte de produtos químicos. Nos trouxe também um preço alto a ser pago com nossa saúde por tanto lixo consumido.
Em muitas casas, devido a nossa cultura machista e arcaica, ainda é dever da mulher cozinhar, mesmo que ela trabalhe fora, mesmo com milhares de obrigações outras. Por isso, na tentativa de não deixar ninguém com fome e ter tempo para respirar – já que muitas vezes não tem com quem contar para dividir esta tarefa doméstica – apelou-se para os pratos prontos, ilusoriamente vendidos como saudáveis pela indústria alimentícia.
De olho na pressa do mundo moderno, a indústria caiu matando. Literalmente. Matando de diabetes, aterosclerose, esteatose, hipertensão. Vendeu uma ideia de que pratos prontos enriquecidos com vitaminas e sais minerais eram saudáveis mesmo com vencimento para 2023. Vendeu ilusão de uma comida gostosa, de “restaurante”, mas barata e pronta em 10 minutos. Vendeu sucos em caixa “sem conservantes” com validade de dois anos. Essas frutas só podem ter vindo da terra do MacGyver. Quem nunca viu uma famosa marca de salgadinhos fritos dizendo que o produto tem vitaminas, sais minerais e cálcio? Hahaha, é de rir para não chorar!
Com isso, a população engordou, passou a comer lixo em vez de “comida de verdade”, expressão criada pela minha amada Rita Lobo, que tive o prazer de conhecer num evento no Ministério da Saúde.
Agora, depois de duas décadas de ilusão industrial alimentícia, as pessoas estão repensando o ato de alimentar-se e junto, o de cozinhar. Só que como o ser humano adora o extremo da coisa, saiu do total junk food para outra moda: a fitness, mais conhecida como “blergh”.
Essa moda leva batata doce, ovo sem gema, frango sem pele, leite sem lactose, doce sem glicose, macarrão sem glúten, ou seja – comida sem sabor de comida (me desculpem os marombeiros, mas vocês não comem, almoçam “remédios”).
Eu sou à moda antiga, ainda fico com o bom e velho arroz com feijão, bife, salada. Com o ovo frito de manhã na manteiga, com pão fresquinho e um bolo de fubá. Com a sopa de feijão ou de legumes do jantar. Eu fico com a dieta da minha avó, simples e cheia de sabor.
Nos primórdios da humanidade, o homem coletava grãos, frutos e legumes, até que aprendeu a caçar. Depois, a cozinhar. E hoje, está reaprendendo algo que nunca deveria ter esquecido. Hoje, depois que a moda fitness deu uma acalmada, estamos voltando às raízes e buscando cada vez mais comidas de verdade, orgânicas, nutritivas, preparadas no conforto de casa, com o sabor que em nenhum lugar você vai encontrar. Com todos os ingredientes que a natureza provém.
Para mim, cozinhar é sinônimo de independência. É você não precisar de ninguém para te trazer ou te fazer comida. Quer coisa mais chata quando o delivery atrasa e você está azul de fome? Cozinhar é você não precisar se entupir de lasanha congelada porque não sabe fazer uma comida caseira, nem que seja um arroz com ovo frito. E vou te dizer, um arroz branquinho e soltinho com um ovo frito malpassado é delicioso! Joga uma pitada de pimenta do reino em cima e um fio de azeite... Voilà! Dos deuses!


Eu sempre gostei de cozinhar, desde a adolescência. O que começou por curiosidade, hoje é uma paixão. Lembro do meu primeiro prato: penne ao molho branco. Ficou tão bom, mas tão bom, que até meu pai que não é chegado em macarrão comeu dois pratos.
Claro que nessa jornada culinária também fiz muita cagada. Queimei ovo, solei bolo, grudei macarrão, queimei feijão... Tudo o que você imaginar. Mas foram esses erros que me fizeram cozinhar melhor hoje. Foram esses erros que me fizeram tentar de novo até acertar e dessa forma, me tornar independente, capaz de preparar minha própria comida. Yes, we can!
Hoje, digo que cozinhar, mais que uma necessidade, tornou-se um luxo. Sempre lutamos pela independência financeira, depois passamos a lutar pela independência emocional e agora, a independência culinária. Essas três são sim artigos de luxo. Valorize esta última para que não se perca no tempo e na pressa, como uma já vez se perdeu.



Daniele Van-Lume Simões      29 de março de 2017

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